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26/02/2025
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Se a Amazônia é a porta que acessa o futuro, os indígenas têm a chave

Foto: Reprodução/UOL Notícias

A região amazônica vive um complexo e difícil processo de ocupação e exploração de suas florestas. A mata tem sido destruída para criação de gado, para o plantio de soja, milho, além de outros cultivares da monocultura. A ocupação ilegal se dá, também, pelos garimpeiros e madeireiros que agem ilegalmente usurpando as florestas nativas, seus minerais e poluindo os rios, dizimando, inclusive, espécies nativas inexploradas até então pelos botânicos.

Cientistas do mundo inteiro, especialmente, os brasileiros, têm alertado há décadas sobre as graves consequências da destruição Floresta Amazônica. Mais recentemente, na revista científica Nature, foi publicado uma pesquisa brasileira alertando sobre o “ponto de não retorno da floresta amazônica” até 2050. Na prática, isso significa que, se isso acontecer, será impossível recuperar os recursos naturais perdidos. Ou seja, haverá uma mudança definitiva do bioma, desencadeando alterações climáticas e ambientais catastróficas.  

Sobre esse assunto, do “ponto de não retorno da floresta amazônica”, eu falarei mais detalhadamente nos próximos artigos. Neste texto, quero tratar de um assunto fundamental, inclusive, para ajudar a evitar a tragédia da desertificação do ecossistema amazônico. Estou me referindo aos indígenas e toda a sua saberia ancestral.

A Amazônia reúne a maior parte da população indígena do Brasil, são cerca de 440 mil indivíduos, mais de 180 povos indígenas que habitam o bioma, além de vários grupos isolados, ocupando uma área de cerca de 110 milhões de hectares. As terras indígenas sempre tiveram e ainda têm um papel fundamental em garantir a proteção e a manutenção da floresta e de seus recursos naturais. E o que não se pode esquecer, ou melhor, o que deve ser lembrado todos os dias, é que os povos indígenas são os grandes sábios e guardiões do manejo e da proteção das florestas. 

Além de guardiões, os povos originários são os verdadeiros cientistas da floresta. Cada povo tem a sua própria ciência, sua própria forma de adquirir os recursos naturais. Eles fazem o manejo das suas roças e das áreas de mata de forma pensada, ecológica e funcional. Eles praticam de maneira verdadeira as métricas da ecologia e da sustentabilidade, que incluem o manejo do solo, das matas, das águas e das plantas que servem de alimento, de remédio e para a construção de suas aldeias.

Na Amazônia, em especial, existem inúmeros ecossistemas altamente complexos até mesmo para os ecólogos e biólogos experientes. Tal complexidade, no entanto, torna-se simples diante da sabedoria dos povos indígenas que habitam essa região e lidam com ela há milênios. Uma herança cultural passada de geração a geração.

A etnia Kaiapó, por exemplo, localizada na bacia do rio Xingú, na Amazônia brasileira, é um exemplo a ser seguido sobre sustentabilidade e ecologia no manejo das florestas. O povo Kaiapó possui uma percepção avançada das zonas ecológicas das aldeias e fazem o inventário dos recursos naturais manejados e não manejados. Nas zonas de mata, localizadas em suas terras, eles têm total conhecimento das plantas alimentícias, medicinais e das árvores que podem ser utilizadas para construção. 

Na mata, eles coletam plantas silvestres para alimentação (palmito, frutos, castanhas), muitas vezes, replantando essas espécies em outros locais, geralmente, áreas de cultivo próximo às aldeias. Eles fazem, de forma muito precisa e ecológica, o manejo das abelhas nativas existentes naquela região (cerca de 54 espécies diferentes), para extração do mel e da cera, sem destruir ou prejudicar as colmeias. Os Kayapós são verdadeiros mestres do manejo sustentável das florestas e de suas áreas de cultivo.

Os Kaiapós são cultivadores e guardiões de muitas espécies vegetais alimentícias e medicinais que nós, os brancos, dificilmente teremos acesso ou conheceremos algum dia (porque o agronegócio e a indústria alimentícia não têm interesse em nos apresentar). São inúmeras variedades de mandioca, batata-doce, taioba, ariá, cará, milho, feijão e frutíferas. 

Essas espécies alimentícias são cultivadas em suas roças que, após dois a três anos de produção, são abandonadas (isso acontece para não exaurir os nutrientes do solo).  No entanto, as roças desativadas ainda têm serventia para os indígenas, pois eles retornam de tempos em tempos para coletar frutos ali cultivados outrora e para caçar, pois o mato começa a crescer, vira floresta novamente, abrigando pequenos mamíferos que viram alimento para eles.

Com todas essas técnicas aliadas à sabedoria ancestral, os Kayapós criam diversos microclimas distintos que ajudam na melhoria das condições climáticas, do solo, na proteção da mata nativa e na garantia do alimento não só para eles próprios, mas também para avifauna que ali habita. O modo como eles interagem e manejam os espaços parece seguir um modelo que se baseia na própria sucessão natural. 

Os Kayapós, assim como todos os outros povos indígenas brasileiros, têm papel ativo e fundamental na formação e na regeneração das florestas. Há inúmeras pesquisas que apontam que os povos originários são os grandes reflorestadores do Brasil. Pois, muitas espécies plantadas nas áreas das aldeias têm origem em outros tipos de habitat ou biomas. Sugerindo, portanto, que muitos dos ecossistemas tropicais brasileiros até agora considerados “naturais” podem ter sido, de fato, moldados pelas populações indígenas.

Os indígenas são os maiores reflorestadores e mantenedores da biodiversidade do Brasil. Aprendamos com eles, com humildade e respeito. 

Texto escrito por: Marilua Feitoza, jornalista, escritora e mestre em Sustentabilidade na Gestão Ambiental.

Baseados nos artigos: Os Kaiapó e a natureza, de Darrell A. Posey; Reflorestamento indígena, de Anthony B. Anderson e Darrell A. Posey.

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