Com a possibilidade de que candidatos às eleições deste ano usem doações no período da estiagem para ganhos políticos, o Ministério Público do Amazonas (MP-AM) fez uma série de recomendações a prefeituras do interior do estado por meio das promotorias eleitorais. Se ficar caracterizado que o candidato fez uso político dos donativos, a candidatura poderá ser cassada, inclusive após a eleição. O primeiro turno do pleito municipal está marcado para 6 de outubro.
Em consulta ao Diário Oficial do MP-AM, a reportagem identificou recomendações para as prefeituras de Envira, Tapauá e Tabatinga. Dentre as orientações, estão a necessidade de formação de um comitê ou central de logística formada por servidores, de preferência concursados, e que a entrega dos bens não esteja vinculada à figura do prefeito, vice-prefeito ou de qualquer candidato ou partido político.
Além disso, o órgão fiscalizador orienta que as doações sejam documentadas e que as informações sejam enviadas ao juízo eleitoral competente, “permitindo a fiscalização por parte das demais autoridades e candidatos”. Os documentos devem conter quantidade de itens doados, destinatários, datas e locais das doações.
O MP-AM também recomenda que candidatos ou integrantes do governo não estejam presentes no momento da distribuição de bens, e que seja comunicado à população que as doações ocorrem exclusivamente por conta da estiagem, não tendo qualquer vínculo com a campanha, candidato ou partido.
Vedação
A legislação eleitoral (Lei 9.504/1997) veda a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, no ano em que se realizam as eleições, sob pena de perda do mandato. A única exceção é quando houver casos de calamidade pública ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução no ano anterior. Ainda assim, especialistas alertam que a doação não pode ser feita sem critérios, sob pena de beneficiar os candidatos.
Promotor eleitoral de Tapauá, Bruno Batista assina uma das recomendações. Ele afirma que o papel do MPAM é fiscalizar a regularidade e a lisura do processo eleitoral. O município está localizado na microrregião do rio Purus, no sul do estado, e está a 448 quilômetros de Manaus.
A visão é compartilhada pela promotora eleitoral Suelen Shirley, que enviou recomendações ao município de Envira, na microrregião do rio Juruá, a 1,2 mil quilômetros da capital do Amazonas.
“A preocupação do Ministério Público volta-se a uma atuação preventiva e fiscalizatória de modo a viabilizar que as comunidades sejam assistidas durante a crise climática, sendo que essa assistência deve ser desvinculada de qualquer ato de campanha ou a qualquer candidato, evitando-se, assim, o abuso do do poder político e econômico e garantindo-se a lisura e a normalidade das eleições”, pontua.
Histórico
Na seca histórica de 2023, as prefeituras e os governos estadual e federal doaram água potável, alimentos, produtos de higiene e outros itens de necessidade básica. Neste ano, comunidades isoladas por causa da seca dos rios já têm recebido donativos. Até quinta-feira (22), o Amazonas contava com 20 municípios em situação de emergência e 254,3 mil pessoas afetadas pela estiagem.
“Por conta da pandemia da Covid-19, em 2020 o país registrou o maior índice de reeleição nas prefeituras, pois os prefeitos ficaram autorizados a contratar diretamente gêneros alimentícios, água, e distribuir para a população” – Carlos Santiago Coordenador do CACC.
Saiba mais
Preocupação – A Associação Amazonense de Municípios solicitou uma reunião com o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas para tratar sobre outro problema previsto para as eleições: a dificuldade de eleitores para chegar até os locais de votação. Segundo o TRE-AM, 57 locais estão com alerta ‘severo’, 57 ‘moderados’ e 19 ‘impeditivos’ – esses últimos poderão ficar isolados.
‘Doações vão influenciar resultados’
Coordenador do Comitê de Combate à Corrupção do Amazonas, o advogado e sociólogo Carlos Santiago avalia que a sociedade e o Ministério Público precisam estar vigilantes e devem promover denúncias contra qualquer intimidação ou coação para trocar votos por benefícios. Ele cita a reeleição de prefeitos em 2020, durante a pandemia, como um exemplo.
“Por conta da pandemia da Covid-19, em 2020 o país registrou o maior índice de reeleição nas prefeituras, pois os prefeitos ficaram autorizados a contratar diretamente gêneros alimentícios, água, e distribuir para a população. Além de ter havido criação de benefícios sociais com repasse direto de dinheiro”, afirma.
Em 2020, 61% dos prefeitos brasileiros que tentaram um novo mandato se reelegeram ainda no primeiro turno. O percentual foi maior que no pleito anterior, 2016, quando menos da metade (46,8%) dos gestores conseguiram um novo mandato.
“Outro exemplo foi em 2022, quando 90% dos candidatos aos governos foram reeleitos. Naquele ano, os governadores distribuíram também gêneros alimentícios, água e outros equipamentos para proteção e combate à Covid-19. Neste ano, o impacto também irá acontecer, mesmo com a disposição do Ministério Público de fiscalizar conforme determina a legislação eleitoral”, avalia Carlos Santiago.
‘Muita coisa cai no colo da prefeitura’
Presidente da Associação Amazonense de Prefeitos (AAM), Anderson Souza diz que a entidade orientou os gestores que evitem participar ou enviar membros do governo para entrega de doações. Ele é prefeito de Rio Preto da Eva, na região metropolitana de Manaus.
De acordo com levantamento da AAM, 33 prefeitos não concorrerão à reeleição, por já estarem no segundo mandato. Outros 29 estão em busca de mais quatro anos à frente das gestões municipais.
O prefeito ressalta que o cenário adverso de seca, especialmente combinado com as queimadas ilegais, é prejudicial às gestões municipais. “Muita coisa cai no colo da prefeitura. A população não entende que há uma divisão das competências. Isso também é muito ruim em um período eleitoral”, comenta.