Com as denúncias contra Bolsonaro e outras 33 pessoas, incluindo generais do Exército, o Brasil pode vivenciar, pela primeira vez, condenações a fardados por tentativa de golpe de estado. Desde o ano da Independência do país, 1822, o Brasil teve ao menos nove tentativas de disrupção do sistema, algumas bem sucedidas.
Na terça-feira (19), o procurador-geral da República, Paulo Gonet, denunciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros 33 nomes por golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
A oposição aliada a Bolsonaro, assim como o ex-presidente, nega que tenha havido tentativa de golpe. O atual presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (União), expressou opinião similar. O atual ministro da Defesa do presidente Lula, José Múcio, que já chegou a chamar o episódio de golpe no passado, agora defende que a justiça diga se foi tentativa ou não.
Tentativas de romper com a ordem política não são novidade no Brasil. Ao menos quatro casos são mais conhecidos: a proclamação da República (1899), por meio de um golpe militar; o fim da República Velha (1930) após um golpe civil-militar; Estado Novo (1937), autogolpe que manteve Getúlio Vargas no poder; e o golpe civil-militar de 1964, que culminou com a ditadura que comandou o país por 21 anos.
Anistia
Professor doutor em História do Brasil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e autor do livro ‘Povos indígenas e ditadura militar na Amazônia’, Jaci Guilherme Vieira, afirma que atos antidemocráticos acontecem porque o país costuma anistiar aqueles que atentam contra a democracia.
“Anistiar esse tipo de gente que temos anistiado, traz eles de volta. Esses anistiados sempre se voltam contra a democracia”, ressaltou o doutor.
Segundo ele, na história brasileira, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que governou o país entre 1956 e 1961, concedeu anistia a militares. O professor destacou que a anistia beneficiou envolvidos em uma tentativa de derrubar seu governo e que logo depois resultou no golpe de 1964.
“Ele anistiou Castelo Branco. Ele e outros militares pegaram jatos e foram ao Pará para dar golpe no Juscelino. O Juscelino também anistiou Burnier. É interessante lembrar, Burnier está bem em alta agora, por conta do Rubens Paiva. Ele foi responsável por prender e matar Rubens Paiva. Além de ter sido um dos grandes torturadores da época. Ou seja, foi anistiado por Juscelino e, logo depois, esteve no golpe de 64”.
Déjà Vu
Vieira considera que houve tentativa de golpe orquestrada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, a tática já foi utilizada em outros governos e, dessa vez, não deu certo.
“Não é a primeira vez que isso acontece. Na eleição de Juscelino tentaram fazer isso. A direita está sempre orquestrando um golpe. O Bolsonaro estava preparando o mundo para aceitar um golpe, sem aceitar as eleições. Esse golpe já vinha ocorrendo há bastante tempo. Ele (Bolsonaro) sempre falava em suas lives e vídeos que as eleições eram fraudadas e não valiam”, disse.
Quanto às eleições, o professor relembrou a reunião com os embaixadores, que consta nas denúncias da PGR, de que Bolsonaro teria tentado executar o golpe, mas que não recebeu o apoio necessário dos demais países.
“O grande ápice dele foi chamar os embaixadores dos países para se reunir em Brasília. Ele preparou um terreno para que as eleições, que estavam para acontecer, não tivessem validade. Mas, os Estados Unidos perceberam essa perspectiva de golpe no Brasil. E eles acham ruim para as negociações que o Brasil tenha uma instabilidade aqui dentro Foi aí que o Biden enviou um documento ao Bolsonaro, de que se tivesse golpe, haveria intervenção”.
Vieira diz que o ex-presidente não conseguiu cumprir sua missão por ter sido abandonado pelas capitais e até pelos militares. “As grandes capitais não tinham interesse em golpe. Na minha avaliação, até a própria cúpula militar descartou ele. Eles não querem conversar com essa gente, porque deixaram muitos rastros. Eles chegaram a ameaçar os militares que não queriam o golpe”, destacou.
‘Autoridades judiciais fechavam os olhos’
O filósofo, indigenista e ativista social Egydio Schwade, que trabalhou com os povos originários durante a ditadura militar, afirma que, embora a condenação dos envolvidos no golpe de Estado não seja garantida, já é um avanço.
“Antes as autoridades judiciárias fechavam os olhos em relação a essas atitudes. De repente ele começa também a tomar posição e ele não tem mais como fugir da verdade, da realidade. Apesar disso, eu estou muito cético e esperando. Precisamos ver”, diz o filósofo.
Ditadura militar
O indigenista afirma que as tentativas contra a democracia e os ataques contra a população são algo que viu acontecer na ditadura. “Assim foi no do golpe militar e toda essa política ainda está, até hoje, presente dentro do Exército”.
Na época em que o indigenista atuou em Presidente Figueiredo (AM), onde vive até hoje, a maior parte dos indígenas do povo Waimiri-Atroari foram mortos em função de projetos como a rodovia BR-174. A população era de cerca de 3 mil indígenas e ficou com pouco mais de 300.
Mudança
Schwade explica que o processo de mudança social é longo e deveria ter ocorrido desde o período do Brasil Colônia. Ele afirmou que, durante o governo Bolsonaro, nas questões ideológicas, a situação foi ainda pior do que na ditadura militar. “Foi mais fortemente militarizado do que a própria ditadura”.
*Fonte: Acrítica