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26/02/2025
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Marcos De Bona

O BRUTALISTA – A liberdade de cabeça para baixo. A falácia do sonho americano

Foto: Divulgação

The Brutalist
Drama/Épico

Roteiro: Brady Corbet e Mona Fastvold.
Direção: Brady Corbet.
Elenco: Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce, Joe Alwyn, Raffey Cassidy.
EUA, 2024
(estreia no Brasil em 20/02/2025)

Vídeo: 

Acompanhamos a longa história de László Tóth. Renomado arquiteto judeu, sobrevivente do holocausto que foge para os EUA deixando a mulher e uma sobrinha na Hungria. E o mito do sonho americano se transforma na mais profunda decepção.

O Brutalista estreia hoje, 20/02, no Brasil. Dura 3 horas e 30 minutos divididas em duas partes e um epílogo. Entre as duas partes há um intervalo de 15 minutos, como um vão livre em uma construção para podermos respirar. O roteiro é impecável, cheio de mensagens, camadas de significado, metáforas e simbolismos a serem destrinchados nesse texto. Além do roteiro, atuações, direção, fotografia, montagem, é tudo tão bem construído que as 3 horas e meia passam leves como a contemplação de uma obra de arquitetura brutalista.

O filme concorre a 10 Oscars:
* Melhor filme;
* Melhor Diretor, Brady Corbet;
* Melhor Roteiro Original;
* Melhor Ator, Adrien Brody;
* Melhor Atriz Coadjuvante, Felicity Jones;
* Melhor Ator Coadjuvante, Guy Pearce;
* Melhor Fotografia;
* Melhor Edição;
* Melhor Design de Produção;
* Melhor Trilha Sonora Original.

Já a primeira sequência (extremamente bem dirigida) é carregada de significados e termina com a imagem mais simbólica e emblemática do filme.

Em um lugar escuro László Tóth, o protagonista, parece angustiado, anda com dificuldade, se acotovelando no meio de muita gente. Até que uma porta se abre e percebemos que ele está num navio. Ele olha para cima e vê a estátua da liberdade de cabeça para baixo.

O simbolismo da imagem é evidente. Estamos em 1947, logo depois da segunda guerra mundial, e o sobrevivente de um campo de concentração acaba de chegar em NY para viver o sonho americano. Mas será que ele vai encontrar a liberdade desejada? Será que o Mito Americano de oportunidade, esperança, prosperidade é tudo aquilo que ele pensa?

Quem responde é o diretor e roteirista Brady Corbet:
“Todo filme sobre o sonho americano é sobre como as pessoas fazem o sonho funcionar. E eu queria fazer um filme em que o sonho não funciona.” (citação na tela por cima de um trecho do filme)

PRIMEIRO ATO

Logicamente o primeiro ato começa junto com a primeira parte do filme. Que leva o título de “The Enigma of Arrival”.

Parte 1: O Enigma da Chegada

Mesmo nome do livro de V. S. Naipul sobre imigração. Que fala sobre a expectativa esperançosa e enganosa do imigrante ao chegar em um novo lugar. Não raro o imigrante lida com falsas percepções culturais e tem dificuldade de adaptação.

E tudo isso nos leva a um dos grandes temas desse filme: Identidade. O protagonista precisa lutar o filme inteiro contra tudo e contra quase todos para manter a sua identidade. Pois até os que parecem seus aliados, na verdade são antagonistas. Há apenas 3 aliados verdadeiros: seu amigo Gordon, a quem encontrou quando pediam comida; sua esposa Erzsébet e sua sobrinha Zsófia.

A relação com seu primo Attila, também vindo da Hungria, é bem controversa. O Attila lhe dá um emprego, um quartinho para ficar, e László fica muito grato. Mas as coisas vão mudar quando aparece um prejuízo financeiro

Falando em identidade, o Attila é covarde, inseguro e tenta apagar o seu passado. Mudou o sobrenome judeu para um americano. Frequenta igreja católica. Faz o possível para esconder o sotaque húngaro. No fundo, Attila tem inveja do László, que pode ter um monte de defeitos, mas consegue manter a sua identidade.

Além disso, é casado com Audrey. Audrey é o símbolo da esposa perfeita do sonho americano: bela, recatada e do lar. E como uma americana exemplar, logo no começo do filme, ela dá um jeito de se livrar daquele imigrante indesejado. O filme é lançado em um momento bastante oportuno. Quando o Trump fala em fazer a América voltar ao que era antes, está falando da época do filme. A América era grande para (alguns) americanos.

INCIDENTE INCITANTE

Os primos constroem uma biblioteca para Harrison Lee Van Buren, um bilionário da região. Depois de alguns mal-entendidos, László e Van Buren começam uma “amizade”. Mas se a relação do László com o Attila era controversa. Com Van Buren, é controversa ao cubo.

O bilionário parece até generoso, mas sempre de forma patronal, como se ele possuísse o László. Ele dá um trabalho para László, um belíssimo projeto de arquitetura. E o coloca na casa de hóspedes de sua grande propriedade. Parece chique, mas era tudo mal ajambrado, parede sem pintura, mobília improvisada.

Guy Pearce, em excelente atuação, passa um misto de generosidade e prepotência que fica só na superfície, para esconder a sua insegurança. O ator fala como construiu o personagem:
“Se eu possuo tal coisa, sou bem-sucedido, me apresento de tal forma, se eu tenho tais pessoas ao meu redor, eu estou me dando bem. Essa é a minha identidade.”

Outra vez o tema da identidade. Se o filme fala sobre o sonho americano é certo que vai falar sobre capitalismo. Van Buren representa o tipo de pessoa que é cada vez mais comum. Para eles não basta ter tanto dinheiro que garanta o futuro de inúmeras gerações. Eles querem poder, e querem que o mundo fique exatamente do jeito deles. Não raro, revelam ideias fascistas.

SEGUNDO ATO

O segundo ato começa quando László se estabelece na casa de Van Buren e começa a trabalhar naquele projeto monumental. Que vai reunir uma biblioteca, um ginásio, demais dependências e uma igreja cristã.

Pouco depois começa a segunda parte do filme, que vai focar nessa construção. E com a chagada de Erzsébet e Zsófia, mulher e sobrinha de László, reforçar mais ainda os temas da identidade, do mito americano, e do capitalismo.

O título da Parte 2 é The Hard Core of Beauty.
O Núcleo Duro da Beleza (Parte 2: O Núcleo Duro da Beleza)

O título do filme se refere à arquitetura brutalista. Muito comum no pós-guerra na Europa. Com o fim da primeira guerra mundial, com várias cidades destruídas, foi preciso adotar esse estilo mais prático, sólido, bruto, que o próprio personagem descreve:
“Houve uma guerra e, ainda assim, muitos dos locais dos meus projetos sobreviveram. Meus edifícios foram projetados para aguentar a erosão das margens do rio.”

László Tóth é um grande arquiteto, faz um projeto fantástico, combinando solidez e beleza. Principalmente por um detalhe que ele mostra na maquete. Mas só vai aparecer no filme com a construção pronta. Mesmo assim, os americanos começam a encontrar problemas.

László, com sua personalidade forte, tem vários embates com empreiteiros, engenheiros e arquitetos contratados por Van Buren. Eles discutem o tempo todo, levando o protagonista ao desespero. E aí temos uma poderosa metáfora.

Os americanos querem moldar o projeto de László para o seu próprio estilo. Tirando a identidade que define o brutalismo. E a luta de László para manter a identidade do projeto, é uma luta muito desgastante para manter sua própria identidade.

Adrien Brody é magnífico! Revelando toda uma vulnerabilidade, de quem sobreviveu ao holocausto e passou maus bocados na América. Mas com muita resiliência ele mantem sua identidade. Comprovamos isso nas palavras do ator, favorito ao Oscar, sobre o seu personagem.
“Suas experiências influenciam seu trabalho, e os traumas com os quais László está lidando moldam a estrutura que é uma personificação de si mesmo. E ainda assim, há um coração e núcleo espiritual neste espaço. Ele sobreviveu a um campo de concentração, e ainda assim tem esperanças e sonhos de se conectar a Deus.”

A construção tem dimensões semelhantes às de um campo de concentração. O pé direito alto e as paredes grossas representam seu sentimento de vazio, de um homem envolvido em uma casca. Os tetos de vidro simbolizam a liberdade de pensamento.

O núcleo espiritual que ele menciona é o centro de mármore do altar, que precisa ser protegido. O núcleo duro da beleza que dá nome à segunda parte do filme. E o curioso, é que o personagem é judeu praticante. Mas usou símbolos do cristianismo para criar uma conexão com Deus.

Por fim, vamos a outro personagem muito importante. Erzsébet, esposa de László, definida assim por Felicity Jones, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante.
“Ela não está fisicamente presente na primeira metade. Mas lê cartas como se estivesse assombrando o marido. Ela está sempre nos pensamentos de László. Seu amor e sua conexão os ajudaram a sobreviver.”

Ela chega da Europa junto com a sobrinha Zsófia e funciona como um alicerce para o marido. Porém a relação entre ambos não deixa de ser conturbada. Afinal, a história de vida e a personalidade de László, fazem com que, mais cedo ou mais tarde ele entre em conflito com quem está ao seu redor.

São impressionantes as cenas em que Erzsébet tem crises de dores até que a sobrinha administre os remédios nos quais ela já está viciada. O casal tem essa semelhança trágica, pois ele também luta o filme todo contra o vício em heroína. Causado por sequelas do campo de concentração.

Perto do fim da segunda parte, Erzsébet tem uma cena emblemática que revela a covardia de Van Buren. Nessa cena, ela se refere a uma outra cena, passada na Itália. E essa cena na Itália é a mais chocante do filme, escancara a relação entre László e Van Buren enquanto eles travam um diálogo revelador e aterrorizante.

O filme é monumental (com o perdão do trocadilho), isso é reforçado pela forma como foi escrito, dirigido, fotografado e montado. Poucas vezes um filme conseguiu, literalmente, desconstruir com tanta força o mito americano. O diretor, liderando sua equipe, atinge com louvor o seu intento.

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