29.3 C
Manaus
05/03/2025
Portal Castello Connection
Marcos De Bona

UM COMPLETO DESCONHECIDO – O começo da carreira, a rebeldia, a genialidade, a atitude contestadora e antissocial de Bob Dylan

Foto: Reprodução

A Complete Unknown
Drama/Cinebiografia

Roteiro: James Mangold e Jay Cocks
Direção: James Mangold
Com Timothée Chalamet, Edward Norton, Elle Fanning, Monica Barbaro
EUA, 2024
(estreia no Brasil em 27/02/2025)

Vídeo:

“Como você se sente? De estar sozinho no mundo, perdendo o rumo de casa, como uma pedra que rola! Como um completo desconhecido.”

Provavelmente era assim que Bob Dylan preferia se manter, um completo desconhecido. Pela sua rebeldia, pela sua fúria contra o sistema, pelo seu caráter sempre contestador. Mas para a nossa sorte Bob fez muito sucesso, sua voz anasalada chegou aos quatro cantos do mundo e sua poesia nos arrebatou. E o comecinho dessa história é contado no filme Um Completo Desconhecido, que está chegando aos cinemas. Dirigido por James Mangold que contou com a ajuda de Jay Cocks para escrever o roteiro.

O roteiro foi baseado no livro “Dylan Goes Electric”. Dylan fica elétrico. Pois quando o rapaz deixou de ser um cantor Folk e passou a ser um Rock Star, ainda que ele negue a alcunha.
Bob deixou de dedilhar seu violãozinho e passou a palhetar com maestria as cordas das guitarras elétricas!

Quando se faz uma cinebiografia o roteiro tem 2 desafios principais. O primeiro é fazer um recorte adequado. Pois não dá para contar toda uma história de vida em 2 horas de filme. E o segundo, não ser chapa branca, não construir um personagem unidimensional, exaltando apenas as suas qualidades como se ele fosse santo ou algo assim.

E o roteiro de Um Completo Desconhecido atinge a esse dois objetivos. Abordando a chegada à NY, a transição do folk para o rock, as relações conturbadas com as mulheres e principalmente a rebeldia e o caráter contestador desse gênio.

Único músico a receber o prêmio Nobel de Literatura. E como não poderia deixar de ser ele deixou a galera do Nobel falando sozinha e não foi receber o prêmio. (lado)

Não é nada fácil dar vida à um personagem como Bob Dylan. Tanto que esse papel já coube até à Cate Blanchet, numa versão mais despojada, é claro.

Mas Thimotée Chalamet faz realmente um belíssimo trabalho. Capturando a essência reclusa e enigmática do cantor. Performance que lhe rendeu o prêmio do sindicato dos atores e uma indicação ao Oscar. No início Chalamet apresenta um Dylan mais amigável, típico artista em começo de carreira. Mas com o tempo aparecem os ecos de sua personalidade rebelde e antissocial. Além disso ele canta, toca guitarra e imita os trejeitos do cantor. Com direito ao sotaque e à voz anasalada.

PRIMEIRO ATO

A cena de abertura do filme, simples e eficaz, apresenta Bob chegando a NY de carona, no porta-malas de um carro e fazendo anotações em um caderno. É claro que o protagonista vai precisar de alguns mentores para ajudá-lo no começo da carreira. E os dois principais ele encontra na mesma cena. No hospital onde Peter Seeger está com Woody Guthrie. Dylan canta a canção que ele tinha feito para Guthrie e ganha 2 novos amigos.

De fato, Dylan visitou seu amigo Guthrie no hospital, mas a música veio depois. E Seeger não estava lá.

Mas foi uma bela forma de introduzir esses dois personagens. Guthrie, assim como Johnny Cash, Joan Baez e até a Sylvie Russo, são mentores no sentido de inspirarem Bob a se tornar o músico que se tornou. Já Seeger tem uma tarefa prática, ajudando nos primeiros passos em NY. Por isso ele coloca Dylan para tocar em vários lugares. De barzinhos até igrejas, mas o tempo era limitado.

Uma vez Seeger deu a Dylan 10 minutos e 3 músicas para cantar. Mas ele disse que só uma música sua já tinha 10 minutos.

O filme também conta sobre as musas de Bob Dylan. O roteiro mostra um triângulo amoroso entre ele, Joan Baez e Sylvie Russo. O que é uma condensação temporal, Dylan namorou as duas em épocas diferentes. Criando os conflitos que embalam a trama da vida pessoal do cantor e demonstrando que Bob não era nenhum santo. Bob conhece Joan Baez no Gerde’s Folk City, um barzinho folk. Ele canta depois dela e faz um elogio que chama a atenção da cantora.

Monica Barbaro, que interpreta Joan Baez, foi indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante.
De fato, ela faz um bom trabalho, com sua postura mais dura, um tanto rebelde, retroalimentada pela atitude do próprio Dylan. O casal se ajudava mas também brigava, porém não em cima do palco, como aparece no filme.

Quem também se destaca é Elle Fanning, que faz Sylvie Russo, uma versão ficcionalizada de Susan Rotolo. Namorada do Bob naquela época, que aparece na capa de Freewheelin, primeiro disco de inéditas do cantor (aliás eu senti falta de recriarem a cena dessa capa). Ela é o porto seguro do rapaz, mas não deixa de ter uma personalidade forte, mesmo sendo um pouco mais contida que a Joan Baez. Susie foi tão importante que quando o relacionamento terminou ele escrevi Ballad In Plain D.

O roteiro faz questão de abordar a inspiração política, traço muito marcante na música de Bob Dylan. Por exemplo, a crise dos mísseis de Cuba aparece no filme. Evento que inspirou a composição de “A Hard Rain’s Gonna Fall”.

A diferença é que o filme mostra Dylan e Joan cantando Blowin in The Wind na manhã seguinte. Mas a crise dos mísseis foi em 62 e ele estava com a Susie Rotolo.

INCIDENTE INCITANTE

Quando acontece o incidente incitante na carreira de um artista? No primeiro show, no primeiro contrato, no primeiro sucesso? A vida de Bob muda de verdade quando ele lança o já mencionado The Freewheelin. Ele fica famoso, passa a ser reconhecido na rua e como era de se esperar, não lida nada bem com isso.

Outra característica importante de uma cinebiografia é retratar vários aspectos da vida do biografado. Temos a trama principal, da carreira artística. E a subtrama da vida pessoal, obviamente as duas se cruzam. A vida pessoal no filme se restringiu às mulheres. E a profissional é conduzida de maneira bem interessante, através dos músicos que ajudaram e influenciaram Bob Dylan.

SEGUNDO ATO

Depois de Woody Guthrie e Bob Seeger, vamos à amizade com Johnny Cash.Bob Dylan e Johnny Cash aparecem no filme trocando várias cartas, o que de fato aconteceu. Aliás o diretor James Mangold também dirigiu Johnny & June e por isso conhece bem a história de Cash e sua amizade com Dylan. Depois de algumas cartas, eles finalmente se conheceram em 1964, no Newport Folk Festival. E apesar de ser um cantor folk, Cash o encorajou a fazer mais barulho, passando para as guitarras elétricas.

A primeira apresentação de Dylan em Newport é um sucesso absoluto. Ele se consolida como um cantor Folk. E chega a dividir o microfone com Joan Baez. Mas no ano seguinte, a coisa é um pouco diferente. O festival era banquinho e violão, mas o Dylan estava a fim de plugar as guitarras. E o grande tema do filme é justamente essa transição.

Em 1965 Dylan lança 2 discos, o primeiro foi Bring It All Back Home, que tinha Mr. Tambourine Man, um clássico folk. Mas depois ele larga o violão, monta uma banda e lança Highway 61 Revisited. Que inclui o clássico “Like a Rolling Stone”. É muito boa a cena do guitarrista que estava de bobeira no estúdio, assume os teclados e cria aquela introdução antológica para essa música.

Enfim o filme se encerra com uma performance antológica de Bob Dylan, tocando guitarra acompanhado por sua banda. Não foi apenas uma atitude ousada, foi contestadora. Uma parte dos fãs era muito radical. Dylan foi chamado de Judas num show, mas não em Newport como aparece no filme.

De certa forma o cantor precisou se voltar contra Peter Seeger, um dos seus mentores, para se tornar o verdadeiro Bob Dylan e dar início à sua genial carreira de vários e vários sucessos como cantor de Rock. E o resto é história!

Relacionados

O BRUTALISTA – A liberdade de cabeça para baixo. A falácia do sonho americano

Marcos De Bona

SING SING – Colman Domingo brilha ao lado de elenco inusitado

Marcos De Bona

EMILIA PÉREZ – Um roteiro fraco e uma visão europeia e preconceituosa da América Latina

Marcos De Bona

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Entendemos que você está de acordo com isso, mas você pode cancelar, se desejar. Aceitar Leia mais