A alimentação vai além do ato de comer e da disponibilidade dos alimentos. Em tempos de alimentos cada vez mais industrializados e ultraprocessados, fazer as escolhas certas do que comer, tem se tornado um desafio global. Alimentar-se de forma consciente, diversificada e sustentável, levando em consideração alimentos frescos e, preferencialmente, livre de agrotóxicos, é, sem dúvida, um dos grandes dilemas da humanidade.
Existe um longo percurso até o alimento chegar à mesa dos indivíduos ou das famílias – muitas vezes, ignorado pela maioria. As etapas da produção do alimento são longas e sistemáticas, iniciando no campo, com o manejo e a preparação das sementes e mudas; passando pelos ciclos de crescimento e desenvolvimento das plantas, da manutenção e da colheita.
Certamente, alimentar bilhões de pessoas é algo muito complexo e que a humanidade ainda não soube fazer. Não à toa, o último relatório da ONU- FAO, “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2023”, apontou dados preocupantes em relação à fome e a insegurança alimentar no Brasil e no mundo. Estima-se que 131 milhões de pessoas, só na América Latina e no Caribe, não têm acesso a uma dieta saudável e, no Brasil, mais especificamente, cerca de 70 milhões de brasileiros estão vivendo em situação análoga à fome.
A pergunta que ecoa mundo afora é, se é possível alimentar oito bilhões de habitantes sem degradar o planeta de forma irreversível, ao mesmo tempo que os alimentos possam suprir as necessidades (quantidade e qualidade suficientes) de saúde e bem-estar das pessoas.
Do cultivo até o momento que os alimentos chegam à mesa, há inúmeras interfaces com a in/sustentabilidade do próprio processo da atividade agropecuária, baseada na monocultura de espécies vegetais e animais. Os alimentos produzidos a partir da monocultura, em larga escala, alimentam não somente as pessoas, mas, principalmente, os animais domésticos. É o caso da produção de soja, em que parte da safra é destinada para produção de ração animal (sobretudo, bovina) ou para produção de alimentos poucos nutritivos para os humanos.
Além disso, a agricultura baseada no modelo convencional está diretamente ligada ao esgotamento dos recursos naturais, como por exemplo, a poluição e esgotamento dos lençóis freáticos, o empobrecimento do solo e o desmatamento das áreas de florestas nativas. Uma problemática global que tem a ver diretamente com a nossa alimentação, baseada em poucas espécies vegetais e repleta de agrotóxicos e adubos químicos.
O uso indiscriminado de agrotóxicos e adubos químicos poluem o solo e os lençóis freáticos, além de causar sérios problemas à saúde humana, de animais domésticos e animais silvestres. O sistema produtivo convencional causa destruição e desperdício de alimentos de forma invisível e praticamente desconhecida pelo grande público.
Ademais, é um consenso para muitos especialistas em sustentabilidade e meio ambiente, que os alimentos são tratados pelo sistema agroalimentar atual e pela indústria, como commodities. Além disso, a globalização do alimento restringiu o consumo das espécies selvagens, nutritivas, disponíveis na natureza; alimentos in natura consumidos pelo ser humano desde os primórdios, fundamentais para uma dieta nutritiva e equilibrada.
Do outro lado da cadeia, a indústria passou a produzir alimentos ultraprocessados mais baratos, consumidos hoje em larga escala, sobretudo pelas populações de baixa renda. Alimentos ultraprocessados possuem poucos nutrientes, são de baixo custo e podem causar problemas de saúde como obesidade e doenças crônicas. Países menos desenvolvidos e de baixa renda, consomem mais alimentos ultraprocessados do que os países com alta renda. E o resultado dessa mudança de hábito alimentar resulta no aumento de doenças crônicas, emergindo como as novas epidemias urbanas.
Com enfraquecimento das formas tradicionais de se alimentar, onde se privilegia os alimentos in natura, e com a substituição dos alimentos naturais pelos alimentos processados e ultraprocessados – com alta densidade energética, altos teores de açúcares, sódio, gorduras saturadas e trans, e baixo conteúdo de fibras – emerge o debate sobre os impactos do modelo hegemônico de produção e processamento de alimentos, o que resultou na classificação dos alimentos em quatro grandes grupos.
- Alimentos in natura: extraídos da natureza e consumidos logo após a coleta ou que passaram por processamento mínimo;
- Alimentos processados culinários: substâncias extraídas de alimentos ou da natureza e utilizados em ingredientes culinários – óleo, açúcar e sal, por exemplo;
- Produtos manufaturados e processados: conserva de legumes, carnes salgadas, laticínios, pães artesanais;
- Ultraprocessados: novas criações industriais, em pregadas pelas modernas e sofisticadas tecnologias contendo pouco ou nenhum alimento inteiro – aditivos alimentares que conferem sabor, cor e aroma muito atrativo ao paladar.
O que se sabe é que existe uma intrínseca relação entre a produção de alimentos ultraprocessados e o modelo de agronegócio. Além disso, a indústria dos ultraprocessados é, também, a indústria das embalagens que, por sua vez, gera um imenso passivo ambiental (cerca de 40% dos resíduos sólidos gerados no planeta são oriundos de embalagens de alimentos).
As embalagens produzidas pela indústria e utilizadas para embalar os alimentos processados e ultraprocessados que consumimos, geram, em seu processo de fabricação e transporte, uma grande quantidade de emissão de gás carbono e metano, contribuindo significativamente para o aquecimento global e para as mudanças climáticas. O passivo ambiental para manter a cadeia de alimentos do jeito que está, é oneroso e muito prejudicial para o planeta e para todos os seres vivos que aqui habitam. A conta não fecha.
*Texto baseado na dissertação de mestrado de Marilua Feitoza e no artigo “Alimentação e Sustentabilidade”, das autoras: Helena Ribeiro, Patrícia Constante Jaime e Deisy Ventura. Artigo escrito por Marilua Feitoza. Jornalista e Mestre em Sustentabilidade na Gestão Ambiental.