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Marcos De Bona

Desconhecidos – O melhor thriller do ano?

Foto: Reprodução

Strange Darling

thriller/ação

Roteiro e direção: JT Mollner
Com Willa Fitzgerald e Kyle Gallner
EUA, 2023.

Vídeo: 

Gosta de um filme de serial killer? Está cansado de ver filme de serial killer? Pois eu garanto que você nunca viu um serial killer como esse.

Vou fazer uma metáfora para descrever a minha experiência ao ver esse filme. Imagina que você vai a um restaurante que você gosta, onde já foi algumas vezes. E pede um prato que já havia experimentado antes. Você começa a comer o prato e está tudo muito bom. De repente percebe que aquele prato não é exatamente igual aos que você comeu antes. Colocaram um ingrediente novo, um ingrediente secreto, que você não esperava de jeito nenhum, parecia que não combinava muito, mas o prato ficou ainda melhor. E quando você termina de comer, suas expectativas foram superadas e você está muito satisfeito. Agora eu vou te explicar como esse filme faz isso.

Logo no começo aparece um texto com a explicação da história de um serial killer, dá a impressão de que o filme é baseado em uma história real, como boa parte dos filmes e séries sobre serial killers. Mas essa não é uma história real e por isso mesmo é tão surpreendente. Eu mesmo nunca ouvi falar em um serial killer com essas características.

Depois o filme anuncia ser um thriller dividido em 6 capítulos. E pouco depois aparece na tela “capítulo 3”. O filme é narrado de forma não linear. Começa pelo capítulo 3, depois vai para o 5, depois volta para trás e a gente tem que montar a história do filme na nossa cabeça.

Temos basicamente um filme de “gato e rato” um personagem perseguindo o outro implacavelmente. Logo no começo acompanhamos a personagem identificada simplesmente como “The Lady” ou “A Jovem”, sendo perseguida por “The Demon” ou “O Demônio”. É assim que os personagens aparecem nos créditos finais, em nenhum momento seus nomes são citados. O máximo que vai aparecer é um apelido do serial killer. Portanto o filme começa no meio da perseguição, num ponto bastante tenso, e já prende a nossa atenção, pois a gente quer ver como vai terminar essa história.

A outra coisa é que durante o filme temos um plot twist, uma reviravolta importante no roteiro, aquele ingrediente secreto do prato que eu te falei lá no começo. A gente vai acompanhando o filme, entendendo que temos ali um clichê. Mas o roteiro usa muito bem esse clichê para puxar o nosso tapete. Essa montagem não linear adia um pouco esse momento deslocando-o do começo para o meio do filme, dessa forma aumentando a surpresa. Caso fosse contado em ordem cronológica, esse momento apareceria mais cedo e causaria menos impacto.

Ou seja, a montagem não linear serve para:

  • Começar o filme num momento bastante tenso e capturar a nossa atenção.
  • Adiar o do plot twist mais para o meio do filme.

O começo da história, ou o capítulo 1, é apresentado mais para frente, com mais calma e num ritmo um pouco mais lento. Vemos aquele mesmo casal conversando no carro. Até certo ponto seria apenas mais uma cena. Mas como a gente já sabe o que vai acontecer, gera uma certa tensão. Essa tensão aumenta quando a The Lady, faz um comentário bem interessante e bem atual sobre violência contra a mulher, sobre os riscos que uma mulher corre ao sair sozinha com um desconhecido. Então ela faz uma pergunta para The Demon que o deixa desconcertado. “Você é um serial killer?”

Uma tarefa muito importante de um roteirista é apresentar as informações do filme no momento mais adequado, para nos proporcionar a melhor experiência possível. Essas informações podem ainda não terem sido apresentadas para os personagens. Às vezes um deles sabe de uma coisa e o outro não sabe. Tudo isso para fazer funcionar a dinâmica entre os dois e a forma como nos relacionamos com o filme. Por exemplo, os personagens sabem muito bem por que um está perseguindo o outro, mas o público só vai descobrir isso depois, e isso prende a nossa atenção.

O filme ainda conta com ótimas atuações. Willa Fitzgerald, que faz “The Lady” foge do clichê da mocinha indefesa, coitadinha, que é a vítima perfeita para um maluco que a está perseguindo. Ela se revela bem inteligente e tem uma atitude muito corajosa perante o seu perseguidor. Enfrentando o tal demônio, na medida do possível, de igual para igual.

Kyle Gallner, por sua vez, também consegue dar uma profundidade ao seu personagem. Nem sempre ele parece um serial killer. É claro que os serial killers fazem de tudo para não parecerem serial killers. Geralmente são pessoas muito inteligentes, simpáticas, agradáveis, mas é tudo fingimento. Ou seja, essa simpatia toda acaba conferindo uma suposta profundidade a esses personagens, mas é uma profundidade falsa de uma mente estreita e voltada apenas para o mal.

Voltando ao personagem demônio, em alguns momentos ele se mostra um pouco tímido, demonstrando uma certa vulnerabilidade diante daquela jovem cheia de atitude. Mas quando o Kyle Gallner tem que fazer cara de demônio ele vira o cão!

Esse é mais um mérito do roteiro, que subverte outro clichê do gênero. Geralmente o serial killer está sempre no comando da situação, mesmo que ele finja não estar. Mas não é o que acontece em Desconhecidos. Na dinâmica entre os dois protagonistas, nem sempre o serial killer é quem domina a situação.

A fotografia trás aquele frescor dos 35mm. As cores são muito mais vibrantes, mais bonitas. Ao contrário dessa fotografia lavada, azulada, esverdeada típica das câmeras digitais. O filme abusa das cores quentes, amareladas, principalmente do vermelho que quase sempre está na tela. No cabelo de uma personagem, na roupa do outro, na luz, no carro, no sangue. Principalmente nas cenas de ação e de violência.

Em contraponto, no começo do primeiro capítulo predomina a cor azul. Pois o casal está apenas conversando tranquilamente, sem conflito. Uma grande curiosidade sobre o filme é seu diretor de fotografia, Giovanni Ribisi, que é um ator muito bom e bem conhecido, com participação em Friends, Avatar e em vários outros filmes. E devo dizer que ele faz um excelente trabalho.

E por fim a trilha sonora também é ótima, destacando-se Love Hurts, da banda de heavy metal Nazareth. Aqui numa versão de Z Berg e Keith Carradine. A música tem tudo a ver com o tema do filme, tanto que ela é usada dentro da cena, com um dos personagens cantando, e também fora da cena, só para os espectadores ouvirem e dar aquele temperinho nas imagens. A trilha ainda contém boas músicas compostas especialmente para o filme e até a música clássica de Chopin.

Enfim, apesar do baixo orçamento, JT Mollner consegue realizar um filme ótimo, que supera as expectativas e cujo ponto forte é um plot twist totalmente inesperado, e que muda completamente nossa experiência ao assistirmos o filme.

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