A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é o direito de todos e todas ao alimento em quantidade e qualidade suficientes. Nesse contexto, o oposto da SAN é a Insegurança Alimentar e Nutricional (InSAN), classificada em três estágios: Leve (quando as pessoas têm receio de faltar alimento no futuro próximo), Moderada (quando já existem restrições na quantidade e na qualidade do alimento e as pessoas deixaram de comprar ou pagar outros itens de necessidade básica, para comprar comida) e Grave (análoga à fome).
Na América do Sul, mais de um terço (36,4%) da população está sofrendo de insegurança alimentar moderada ou grave. O relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)”, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2023, apontou que, no Brasil, 70,3 milhões de pessoas estiveram em estado de insegurança alimentar moderada em 2022 e 21,1 milhões estavam passando fome.
Certamente, a InSAN no Brasil não é um problema social recente e de fácil resolução. Parte da população brasileira em vulnerabilidade socioeconômica deparou-se, especialmente, a partir de 2020, com grandes dificuldades de acesso ao alimento. Durante a pandemia da covid-19, as políticas públicas para o enfrentamento da insegurança alimentar e nutricional foram insuficientes, negacionistas e ineficazes, o que agravou a vulnerabilidade social e resultou em uma das maiores crises sanitárias e humanitárias da história do país.
No estado de São Paulo, por exemplo, as crianças têm sido as mais afetadas pela deterioração do acesso ao alimento e pela insegurança alimentar e nutricional. Inclusive, nos últimos cinco anos houve um aumento no índice de desnutrição infantil entre crianças de zero a cinco anos de idade. Pesquisas recentes apontam que durante a pandemia, a prevalência de sobrepeso em meninos e meninas menores de 5 anos aumentou ligeiramente de 8,3% para 8,6%, com um aumento maior na América do Sul.
Ao contrário do que possa indicar, a obesidade e InSAN estão intimamente interligadas. A má alimentação baseada na ingestão de ultraprocessados é responsável, em muitos casos, por doenças crônicas e pela obesidade em adultos e crianças, sobretudo nos países em desenvolvimento, que é o caso do Brasil.
A InSAN, além der estar associada à ingestão excessiva de ultraprocessados, pode ser desencadeada pelos preços abusivos dos alimentos frescos (frutas e verduras) praticados pelos grandes produtores ligados ao agronegócio, pela imposição de padrões alimentares e pela monotonia alimentar causada pela ingestão dos mesmos tipos de alimentos.
Uma das estratégias para melhorar os índices de Segurança Alimentar e Nutricional dos brasileiros é a diversificação da dieta das populações, baseada, sobretudo, na ingestão de alimentos in natura, frutas, legumes, verduras, grãos e cereais. O uso racional dos recursos naturais, a conservação da biodiversidade, o fortalecimento da economia local e a promoção da segurança alimentar por meio da agricultura familiar são outras formas de garantir a segurança alimentar à população brasileira.
O Governo Federal, por sua vez, deu um passo importante rumo a segurança alimentar do país. Recentemente, o presidente Lula assinou o decreto n.º 11.936/2024, que regulamenta a nova composição da cesta básica. O texto determina a inclusão de alimentos in natura ou minimamente processados na cesta básica e deve orientar políticas públicas para garantir o direito à alimentação mais adequada.
Segundo o decreto, a medida objetiva contribuir para reduzir doenças, melhorar qualidade de vida das pessoas, gerar renda a pequenos produtores e proteger o meio ambiente. Certamente, todo avanço nesse sentido é importante e urgente. E “a mão do estado” deve ser firme e presente para evoluirmos enquanto a sociedade. A nós, como sociedade devemos cobrar do Estado as mudanças necessárias.
E para cobrar, precisamos nos conscientizar coletivamente. É importante refletirmos sobre o nosso papel na mudança rumo a um país onde todos e todas tenham alimentos em quantidades e qualidade suficientes. Para isso, é fundamental refletirmos sobre o alimento que colocamos na nossa mesa e sobre de onde vem o alimento. Alimento fresco, comprado diretamente do produtor local, sem uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos que degradam o meio ambiente e contaminam o alimento, é o primeiro passo para uma nova consciência alimentar e planetária.
Este texto foi escrito pela jornalista e mestre em Sustentabilidade na Gestão Ambiental, Marilua Feitoza. Os dados deste artigo foras retirados de sua dissertação de mestrado “ Consumo de Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) entre famílias em vulnerabilidade social e insegurança alimentar no Vale do Ribeira, São Paulo” e do relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo” (SOFI), publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2023.