25.3 C
Manaus
26/02/2025
Portal Castello Connection
ArticulistasMarilua Feitoza

Insegurança alimentar, obesidade e consumo de alimentos ultraprocessados: a tríade que leva ao abismo milhões de brasileiros

Foto: Reprodução

A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é o direito de todos e todas ao alimento em quantidade e qualidade suficientes. Nesse contexto, o oposto da SAN é a Insegurança Alimentar e Nutricional (InSAN), classificada em três estágios: Leve (quando as pessoas têm receio de faltar alimento no futuro próximo), Moderada (quando já existem restrições na quantidade e na qualidade do alimento e as pessoas deixaram de comprar ou pagar outros itens de necessidade básica, para comprar comida) e Grave (análoga à fome).

Na América do Sul, mais de um terço (36,4%) da população está sofrendo de insegurança alimentar moderada ou grave. O relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)”, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2023, apontou que, no Brasil, 70,3 milhões de pessoas estiveram em estado de insegurança alimentar moderada em 2022 e 21,1 milhões estavam passando fome.

Certamente, a InSAN no Brasil não é um problema social recente e de fácil resolução. Parte da população brasileira em vulnerabilidade socioeconômica deparou-se, especialmente, a partir de 2020, com grandes dificuldades de acesso ao alimento. Durante a pandemia da covid-19, as políticas públicas para o enfrentamento da insegurança alimentar e nutricional foram insuficientes, negacionistas e ineficazes, o que agravou a vulnerabilidade social e resultou em uma das maiores crises sanitárias e humanitárias da história do país.

No estado de São Paulo, por exemplo, as crianças têm sido as mais afetadas pela deterioração do acesso ao alimento e pela insegurança alimentar e nutricional. Inclusive, nos últimos cinco anos houve um aumento no índice de desnutrição infantil entre crianças de zero a cinco anos de idade. Pesquisas recentes apontam que durante a pandemia, a prevalência de sobrepeso em meninos e meninas menores de 5 anos aumentou ligeiramente de 8,3% para 8,6%, com um aumento maior na América do Sul.

Ao contrário do que possa indicar, a obesidade e InSAN estão intimamente interligadas. A má alimentação baseada na ingestão de ultraprocessados é responsável, em muitos casos, por doenças crônicas e pela obesidade em adultos e crianças, sobretudo nos países em desenvolvimento, que é o caso do Brasil.

A InSAN, além der estar associada à ingestão excessiva de ultraprocessados, pode ser desencadeada pelos preços abusivos dos alimentos frescos (frutas e verduras) praticados pelos grandes produtores ligados ao agronegócio, pela imposição de padrões alimentares e pela monotonia alimentar causada pela ingestão dos mesmos tipos de alimentos.

Uma das estratégias para melhorar os índices de Segurança Alimentar e Nutricional dos brasileiros é a diversificação da dieta das populações, baseada, sobretudo, na ingestão de alimentos in natura, frutas, legumes, verduras, grãos e cereais. O uso racional dos recursos naturais, a conservação da biodiversidade, o fortalecimento da economia local e a promoção da segurança alimentar por meio da agricultura familiar são outras formas de garantir a segurança alimentar à população brasileira.

O Governo Federal, por sua vez, deu um passo importante rumo a segurança alimentar do país. Recentemente, o presidente Lula assinou o decreto n.º 11.936/2024, que regulamenta a nova composição da cesta básica. O texto determina a inclusão de alimentos in natura ou minimamente processados na cesta básica e deve orientar políticas públicas para garantir o direito à alimentação mais adequada.

Segundo o decreto, a medida objetiva contribuir para reduzir doenças, melhorar qualidade de vida das pessoas, gerar renda a pequenos produtores e proteger o meio ambiente. Certamente, todo avanço nesse sentido é importante e urgente. E “a mão do estado” deve ser firme e presente para evoluirmos enquanto a sociedade. A nós, como sociedade devemos cobrar do Estado as mudanças necessárias.

E para cobrar, precisamos nos conscientizar coletivamente. É importante refletirmos sobre o nosso papel na mudança rumo a um país onde todos e todas tenham alimentos em quantidades e qualidade suficientes. Para isso, é fundamental refletirmos sobre o alimento que colocamos na nossa mesa e sobre de onde vem o alimento. Alimento fresco, comprado diretamente do produtor local, sem uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos que degradam o meio ambiente e contaminam o alimento, é o primeiro passo para uma nova consciência alimentar e planetária.

Este texto foi escrito pela jornalista e mestre em Sustentabilidade na Gestão Ambiental, Marilua Feitoza. Os dados deste artigo foras retirados de sua dissertação de mestrado “ Consumo de Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) entre famílias em vulnerabilidade social e insegurança alimentar no Vale do Ribeira, São Paulo” e do relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo” (SOFI), publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2023.

Relacionados

A angústia de vivenciar a crise climática

Marilua Feitoza

O Brasil que esperamos ver na COP30

Marilua Feitoza

Justiça climática e engajamento da sociedade civil: o que esperar da COP30

Marilua Feitoza

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Entendemos que você está de acordo com isso, mas você pode cancelar, se desejar. Aceitar Leia mais