Movimentos sociais ligados à campanha “Despejo Zero” cobram que o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) reative a Comissão de Conflitos Fundiários. Documento assinado por 65 representantes de organizações da sociedade civil pedem ao presidente da Corte, desembargador Jomar Fernandes, que reconsidere a suspensão da comissão.
O Sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Luiz Antônio Nascimento criticou a ausência da comissão. Segundo ele, sem a atuação da Justiça as terras ficam mais vulneráveis a grileiros e fazendeiros.
A comissão foi implementada no TJ-AM após portaria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2023, que determinava a instalação imediata pelos Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais de Comissões de Conflitos Fundiários.
“Quando acontece essas reintegrações de posse, tem conflito e causa violência. Então, primeiro precisamos entender que a comissão já foi criada para isso. Um segundo aspecto que eu preciso considerar é o porquê o Judiciário cancelou as atividades da comissão. Eu preciso perguntar ao Tribunal Judiciário quem coordenava essa comissão e quais foram as ações dessa comissão, para que o Judiciário tenha chegado a essa decisão radical, de interromper uma comissão criada para resolver conflitos fundiários, determinada pelo CNJ”, disse Luiz Antonio.
O sociólogo explicou que o que acontece nas brigas por terra é que muitas das posses são falsificadas para favorecer pessoas mais ricas.
“Em 90 % das vezes essas áreas são especulações imobiliárias, ou seja, não cumprem a função social e têm documentação incerta ou na maioria das vezes fraudulenta. Então quando a comissão se debruça sobre esse documento, ele já descaracteriza a maior parte das reivindicações dos supostos proprietários, que na maioria das vezes são grileiros e fazendeiros”, disse.
Luiz Antonio coordenou a regularização fundiária no Amazonas entre 2009 e 2016. Ele disse que muitas vezes os fazendeiros querem terras que não têm matrícula. Ele exemplificou que aconteceu uma situação semelhante em um assentamento localizado entre os limites dos municípios de Lábrea e Boca do Acre, que agora foi solucionado.
“Eu dizia que aquela área não era propriedade privada, não era daqueles fazendeiros. Eu dizia que essa área sequer foi arrecadada pela União. Ou seja, quando uma área não é arrecadada pela União, ela não tem matrícula. Portanto, não há que se falar em propriedade. O fato é que o INCRA promoveu a arrecadação da área e hoje aquelas famílias estão sendo assentadas pelo INCRA e estão encontrando a paz”, destacou.
Para, o sociólogo é necessário a reativação da Comissão de Conflitos Fundiários e que sejam estabelecidos cronogramas públicos de execução dos trabalhos dela. Além disso, disse que é preciso que sejam feitas audiências públicas e conversas com aqueles que mais precisam e com especialistas na área, para determinarem as medidas efetivas.
“Com isso, você reduz significativamente a violência no campo, pois a violência do campo que sempre leva os mais pobres, os mais expostos, os mais vulneráveis a uma situação mais difícil”.
Membro da Comissão de Defesa dos Direitos dos Humanos do Estado do Amazonas e da regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Manoel do Carmo, explicou que essa determinação do CNJ em 2023 veio justamente para resolver conflitos. Ele contou que alguns dos registros no Amazonas foram mediados pela equipe criada no estado.
“Essa equipe foi criada, inclusive ela mediou um conflito lá na região de Iranduba, no Cacau Pirera, naquela ocupação chamada Vera Castelo Branco, e que o resultado foi que a Defensoria Pública do Estado entrasse com um pedido de usucapião para cento e poucas famílias que lá estão. Reuniram todos os envolvidos e foi pedido usucapião. Todos esses conflitos agrários deveriam ser mediados por essa comissão”.
Manoel do Carmo ressaltou que todas as decisões, assim como a de Iranduba, deveriam passar pela equipe. “Não poderia ocorrer nenhuma reintegração de posse, manutenção de posse, expedida por um juiz, seja ele da esfera estadual ou federal, sem passar por essa comissão de conflito agrário”, disse.
O membro do CPT disse que muitas reintegrações de posse são feitas de forma autoritária, como aconteceu com povos indígenas que tinham ocupações no entorno de Manaus. “Muitas foram expulsas de seus territórios, ocupados há mais de cinco anos, sem essa medida orientada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que não poderia ser feita de forma autoritária. Então, o que aconteceu? Por que o Dr. Jomar suspendeu essa comissão”, afirmou.
O ativista enfatizou que, sem a comissão, o conflito fundiário vira “um faroeste”, pois há registro de que a própria Polícia Militar do Amazonas (PMAM), já serviu de suporte para grileiros em disputas de terras em Manaus e no interior.
“O próprio doutor Jomar investigou sobre um caso de Boca do Acre, e constatou que havia uma acumulação da Polícia Militar do Acre e Polícia Militar da Boca do Acre, que estavam ali servindo de jagunço (cangaceiro) para fazendeiros e para grileiros”.
A reportagem procurou o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) para saber os motivos da suspensão da comissão, mas em razão do Ponto Facultativo e Feriado de Páscoa, enviará resposta no primeiro dia útil, terça-feira (22).
*Fonte: Acrítica