Drama/Ação
Roteiro e direção: Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte.
Com Pierre Niney, Bastien Bouillon e Anaïs Demoustier.
França, 2024
Vídeo:
Um belo rapaz está prestes a se casar com uma bela moçoila. Mas é traído, passa 14 anos na prisão e volta para fazer justiça. Ou seria para se vingar?
Está nos cinemas mais uma adaptação do clássico de Alexandre Dumas. História que foi editada pela primeira vez em folhetins franceses entre 1844 e 1846. Já foram feitas dezenas de adaptações para cinema e tv, em várias épocas e em diferentes línguas. A mais conhecida é a produção estadunidense de 2002, estrelada por Jim Caviezel.
A mais nova produção é muito caprichada, conta com reconstituição de época e fotografia excelentes, montagem precisa, atuações e direção também muito boas. E os roteiristas fizeram um ótimo trabalho ao adaptar as mais de 1300 páginas do livro para 3 horas de filme. O roteiro é excelente, cheio de reviravoltas e personagens bem construídos, apesar de serem muitos.
Quando se adapta uma obra tão grande é preciso fazer um recorte. E os roteiristas optaram por focar no tema central e universal, a vingança. O filme propõe um questionamento bastante intrigante. Estamos falando de vingança ou de justiça?
PRIMEIRO ATO
Uma mulher está se afogando. Um homem pula na água e a salva. Dentro do barco o capitão repreende o homem que pulou na água. Dessa forma, em pouquíssimo tempo de filme, somos apresentados a Edmond Dantès, o protagonista, e ao Capitão Danglars, antagonista. Temos quase que literalmente um Save the Cat. Um recurso conhecido de roteiro para gerar empatia do público pelo protagonista. Mais tarde vamos descobrir que a mulher salva por Dantès era Angéle, sua futura aliada.
Por causa do incidente, Danglars perde o posto de capitão, que é ocupado por Dantès. Danglars torna-se o primeiro antagonista da trama.
Dantès volta para casa e troca beijos apaixonados com Mercédès, seu par romântico. O casal conta para Fernand de Morcef, primo de Mercédès, que irão se casar. Pouco depois o rapaz aparece chorando. Ele irá se tornar o segundo antagonista de Dantès.
INCIDENTE INCITANTE
Durante a cerimônia de seu casamento com Mercédès, Dantès é preso pela polícia. E finalmente somos apresentados a Gérard de Villefort, o último antagonista. Villefort é uma espécie de delegado de polícia. Ele promete ajudar o Dantès. Mas acaba mandando o nosso herói para o Château d’If, uma prisão em uma ilha na região de Marselha.
Dantès é acusado de ser um espião de Napoleão Bonaparte. A história começa em 1815 pouco depois de Napoleão ser preso e passar a ser considerado um inimigo da França. Por isso os Bonapartistas eram perseguidos. Dantès passa 4 anos na cadeia.
Alguns autores, como Robert McKee (Story) defendem que uma história pode ter mais de 3 atos. Nesse caso, o período que Dantès passa na prisão corresponderia ao segundo ato, depois teríamos o terceiro e o quarto atos. Porém, eu prefiro o conceito de David Mamet (Os Três usos da faca). Ele define que a história sempre tem 3 atos: começo, meio e fim; introdução, desenvolvimento e conclusão. Pensando dessa maneira, o período na prisão ainda faz parte do primeiro ato. Pois a história é sobre vingança/justiça. E esse tema só começa a ser abordado quando o Dantès sai da prisão.
Ainda podemos dizer que dentro da prisão, temos um complemento do incidente incitante. Depois de 4 anos preso, Dantès finalmente encontra seu mentor, o Abbé Faria (Abade Faria). Ele estava preso em uma cela ao lado de Dantès e cavou um túnel para chegar até lá. O Abade passou vários ensinamentos para o protagonista. Outras línguas, conhecimentos sobre história, cultura, costumes. Também contou sobre um grande tesouro que estava na Ilha de Monte Cristo. Tudo isso será usado pelo protagonista no segundo e terceiro atos do filme. Além disso, Dantès e o Abade começaram a cavar um túnel para fugir da prisão, o que demorou 10 anos.
Ficamos na expectativa de a dupla terminar de cavar o túnel e usá-lo para a fuga. Mas já sabemos que é mais dramaticamente satisfatório quando as coisas não saem exatamente como os personagens planejam. Não podemos afirmar que os 10 anos de escavações foram inúteis, porém Dantès acaba mudando de planos e escapa da prisão de uma forma bastante engenhosa.
SEGUNDO ATO
Dantès volta para casa e descobre que seu pai havia morrido e que Mercédès estava casada com Fernand de Morcef. Nesse momento começa a trama de vingança e a reflexão proposta pelo roteiro, Dantès está fazendo justiça ou apenas se vingando.
O protagonista muda sua identidade, se tornando o Conde de Monte Cristo. E faz um plano muito elaborado para se vingar de cada um dos seus inimigos, os 3 antagonistas. Para isso ele vai recrutar aliados, que também têm motivos para se vingarem. André quer se vingar de Villefort e Haydée, quer se vingar de Morcef. Esse é mais um mérito do roteiro, pois proporciona ao filme uma unidade temática.
Quando um plano é explicado num filme, geralmente significa que as coisas não vão acontecer exatamente como os personagens imaginaram. Por isso o roteiro usa um recurso muito interessante. Enquanto o plano é posto em ação, a montagem, muito bem-feita, mostra o Conde explicando o mesmo plano para seus aliados. Às vezes apenas ouvimos o Conde fazendo uma narração em cima das imagens. Recurso conhecido como voice over.
Vamos do tema do filme. Seria a atitude do Conde moralmente correta? Podemos dizer que sim, pois os 3 homens o fizeram passar 14 anos na prisão por um crime que não cometera. Como a gente torce pelo protagonista, usamos essa desculpa de que ele está fazendo justiça, pois vingança seria uma palavra muito forte. Mesmo que arruinar a vida de alguém, signifique prejudicar outras pessoas ao seu redor. Mas qual será o nosso julgamento ao descobrir que o Conde de Monte Cristo tem a intenção de prejudicar diretamente, em sua sede de vingança, familiares de seus inimigos?
Porém é claro que os planos do protagonista não saem exatamente como ele esperava. Então o roteiro nos reserva mais bons momentos em seu terceiro ato.
Outra expectativa levantada é o reencontro de Dantès, disfarçado de Conde de Monte Cristo, com Mercédès. Obviamente os roteiristas não iriam deixar de explorar esse momento com tanto potencial dramático. Mas para saber o resultado desse esperado reencontro você terá que ir ao cinema. Não se preocupe, o filme é tão bom que nem parece que tem 3 horas.