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25/06/2025
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Cristiane Quirino

O desafio do Judiciário em aplicar a Lei do Superendividamento: um grito por dignidade

Norma que visa proteger consumidores em situação crítica de endividamento encontra dificuldades para se firmar na prática, mesmo após quase quatro anos de vigência.

imagem: Reprodução/ Internet
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Como advogada atuante na defesa dos consumidores de direito bancário, tenho observado com preocupação a dificuldade que o nosso Judiciário tem enfrentado em compreender e aplicar, de forma efetiva, a Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021). Essa norma, que alterou o Código de Defesa do Consumidor, representa um marco na busca pela dignidade da pessoa humana, ao oferecer um caminho para aqueles que se veem aprisionados em um ciclo de dívidas impagáveis. No entanto, a teoria da lei ainda luta para se consolidar na prática forense.

A Lei do Superendividamento não é apenas uma ferramenta para renegociar dívidas; ela é um instrumento de justiça social. Ela reconhece que o superendividamento, muitas vezes, não decorre de má-fé ou irresponsabilidade do consumidor, mas de uma série de fatores complexos como desemprego, doenças, acidentes, ou até mesmo a agressividade das ofertas de crédito no mercado. O objetivo central é permitir que o consumidor reorganize suas finanças de forma a preservar o mínimo existencial, ou seja, garantir que ele tenha condições de arcar com despesas básicas para viver com dignidade.

Imagem: Reprodução/Internet
Imagem: Reprodução/Internet

O grande entrave que temos encontrado é a resistência de alguns magistrados em se despir de uma visão individualista e punitiva sobre o endividamento. Muitos ainda interpretam o superendividamento como um problema de “mau pagador”, ignorando a complexidade do cenário econômico e social que leva milhares de brasileiros a essa situação. Essa perspectiva dificulta a plena aplicação dos princípios da lei, como a conciliação e a repactuação global das dívidas, que são pilares para a reabilitação financeira do consumidor.

Vejo com frequência decisões que, em vez de buscarem uma solução abrangente e equitativa, focam em questões pontuais ou, pior, mantêm o consumidor em um ciclo de execução que o impede de sequer prover seu sustento básico. É fundamental que o Judiciário compreenda que a Lei do Superendividamento visa à preservação do consumidor como sujeito de direitos, e não apenas como um devedor a ser cobrado. A dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da nossa Constituição, deve ser o farol a guiar cada decisão.

É preciso que haja um esforço conjunto para capacitar e sensibilizar os operadores do Direito – juízes, promotores, defensores e advogados – sobre a importância e os mecanismos da Lei do Superendividamento. Workshops, seminários e a troca de experiências podem contribuir para a construção de uma jurisprudência mais uniforme e alinhada aos propósitos da lei.

A lei existe, é moderna e necessária. O desafio agora é garantir que ela saia do papel e se materialize na vida de milhões de brasileiros, oferecendo-lhes não apenas a oportunidade de quitar suas dívidas, mas, acima de tudo, de reconstruir suas vidas com dignidade e esperança. O Judiciário tem um papel crucial nessa jornada, e esperamos que ele abrace essa missão com a sensibilidade e a visão de justiça que a Lei do Superendividamento exige, pois apesar de estar em vigência desde 2021, tem permanecido o desafio de sua aplicabilidade.

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