O conflito entre garimpeiros e policiais militares que terminou com duas pessoas feridas e 16 detidos em Humaitá, no sul do Amazonas, virou um novo capítulo de um município marcado por crises socioambientais que vão desde a prática do garimpo ilegal e o conflito agrário até o destaque nacional por desmatamento e queimadas.
Na última quarta-feira, após uma operação da Polícia Federal e Ibama que destruiu mais de 200 balsas, garimpeiros tentaram invadir o prédio da prefeitura e até a casa do prefeito Dedei Lobo (União). Impedidos pela PM, eles soltaram rojões contra os agentes de segurança. Um policial teve a perna ferida por explosivos e um jovem foi atingido por um tiro.
O episódio lembrou outra ocorrência em 2017, quando garimpeiros do município incendiaram as sedes do Ibama e ICMBio, órgãos do Ministério do Meio Ambiente, em retaliação após uma operação federal. O grupo também ateou fogo em carros estacionados em frente ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Os conflitos recentes se somam a outros que duram décadas, como é o caso do impacto da construção da rodovia BR-230 (Transamazônica) sobre os indígenas tenharim, incluindo a disputa pelo território, a morte por doenças levadas pelos não-indígenas e assassinatos, como relata o antropólogo Edmundo Peggion em seus estudos sobre o povo. A BR-319, outro flanco da região, também é palco de conflitos agrários cujos mais afetados são os indígenas.
Inação
Na visão do sociólogo Luiz Antônio, que estuda conflitos socioambientais e de regularização fundiária, o cenário em Humaitá pode ser explicado pela inação do poder público em meio à prática de crimes e pela falta de políticas de moradia e geração de renda. Ele cita a prática do garimpo como exemplo.
“Quando o órgão federal atua na área, está exigindo o cumprimento da lei .É preciso estabelecer isso e o governo do Estado deveria ter feito isso e não fez. Por outro lado, a gente precisa pensar em uma solução para aqueles trabalhadores que estão ali, uma geração de emprego e renda decente”, avalia.
“Isso é algo no qual o governo federal tem falhado. Você tem uma quantidade gigantesca de terras públicas naquela região e cabe ao presidente da República a convocação do Incra para identificar essas áreas e realizar a reforma agrária. Abrir dois, três, quatro assentamentos que deem conta de acolher aquelas famílias e financiar isso. Assim, elas não ficarão reféns desse problema”, afirma ele.
Quando se refere ao garimpo, o sociólogo destaca que os trabalhadores são colocados em situações insalubres. “A atividade causa danos ao meio ambiente e expõe ao risco aqueles trabalhadores. Eles não são os donos da balsa. Quem está financiando a balsa são os amigos dos donos do poder”, comenta.
Luiz Antônio se refere às dragas maiores que contratam garimpeiros e contam até com um ‘setor’ de cozinha e chegam a custar mais de R$ 1 milhão, mas há também outro tipo de exploração praticada pelos próprios ribeirinhos em balsas menores, flutuantes ou fixadas à margem do rio Madeira.
Baixa ocupação
Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil de 2010, mais ‘recente’ levantamento por municípios, Humaitá possuía um IDH de 0,605, considerado na média. O IDH educação, porém, era de 0,451, classificado como muito baixo.
O Censo de 2022 registrou uma população de 57.473 pessoas no município. Naquele ano, somente 8,97% da população era classificada como ocupada (com trabalho formal ou informal), cerca de 5.156 pessoas. Menos da metade dos habitantes da cidade (48,2%) recebia menos da metade de um salário mínimo, à época, em R$ 1.212,00.
Por outro lado, o que pode reforçar a desigualdade econômica no município, Humaitá acumulou um Produto Interno Bruto (PIB) per capita de R$ 698 mil em 2019, o oitavo maior entre os municípios do Amazonas. Os dados foram divulgados pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado.
Município é o quinto em queimadas
Para além do garimpo, Humaitá também se destaca entre os municípios com mais desmatamento e queimadas. O território está localizado no chamado Arco do Fogo, que concentra os maiores números de incêndios provocados na Amazônia. A principal explicação para o problema é a limpeza de terrenos para pastagem, segundo informou o Ibama nesta semana.
Só em 2024, foram 813 focos de queimadas no município, o colocando em quinto lugar entre aqueles com mais registros no Amazonas. Por causa dos incêndios, nesta quarta-feira, a cidade acumulava 241,1µg/m3 de material particulado no ar, número quase dez vezes maior que o ideal (25 µg/m3).
Humaitá também faz parte da lista de municípios considerados prioritários pelo governo brasileiro para o combate ao desmatamento e queimadas. Nesta semana, o presidente Lula (PT) anunciou que a gestão federal irá instalar uma base interfederativa entre o município e Porto Velho (RO) para facilitar o trabalho de agentes do Ibama e ICMBio na região.
*Fonte: Acrítica