Projeto de emenda à Lei Orgânica de Manaus (Loman), de autoria do vereador Mitoso (MDB), quer transformar a Guarda Municipal de Manaus (GMM) em Polícia do Município. Propostas semelhantes a essa foram apresentadas em cidades do Estado de São Paulo, mas todas foram barradas pela Justiça, por meio de liminares (decisão provisória) por irem contra a Constituição.
O projeto de Mitoso foi deliberado na última segunda-feira e atualmente está sob análise da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Câmara Municipal de Manaus (CMM), no aguardo da designação de um relator.
O projeto de Mitoso também permite que a guarda civil municipal atue como polícia ostensiva e preventiva, atribuições que atualmente são das polícias civil e militar
O projeto modifica um inciso do artigo oitavo da Loman, que trata da instituição da guarda municipal, “destinada à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. No novo texto, a Polícia Municipal iria além dessas atribuições, atuando como polícia ostensiva e preventiva, podendo inclusive fazer prisões em flagrante.
Há dúvidas se uma proposta dessa natureza poderia vigorar, começando pelo nome Polícia Municipal.
Decisão
Na terça-feira, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu uma liminar a pedido do Ministério Público suspendendo a lei que trocou o nome da Guarda Civil Metropolitana da cidade para Polícia Municipal.
A lei foi proposta pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB). Na decisão que suspendeu seus efeitos, o desembargador Mário Deviene Ferraz disse que a Constituição de 1988 definiu a função de cada órgão da Segurança Pública. “Não podendo o Município, a pretexto da autonomia legislativa, alterar a denominação da guarda municipal, consagrada no artigo 144,8º, da Constituição Federal de 1988, para ‘polícia municipal'”.
Ressaltou também que, ainda que ambas as guardas municipais e as policias possam atuar na área da segurança pública, desempenhando tarefas complementares ou eventualmente coincidentes, como na hipótese de prisão em flagrante de crime, “guardas municipais não se confundem com as polícias concebidas pelo poder constituinte originário”.
O magistrado também citou entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre esse tema. “Embora no Tema 556 de repercussão geral tenha sido reconhecida a constitucionalidade do exercício de ações de segurança urbana, inclusive o policiamento ostensivo e comunitário, o precedente em tela não equiparou as guardas municipais às demais polícias elencadas no artigo 144 da Carta Federal, nem mesmo acenou autorização de alteração da denominação concebida na Lei Maior”, completou.
No mesmo dia, o TJ-SP concedeu outra liminar contra uma lei de São Bernardo do Campo que, da mesma forma, alterava o nome de Guarda Civil Metropolitana para Polícia Municipal.
Mudança incompatível
O magistrado Álvaro Torres Júnior, em sua decisão, considerou que a mudança aprovada pelos vereadores era incompatível com as Constituições estadual e federal. Normas semelhantes foram suspensas em outras 14 cidades do estado de São Paulo.
A lei de São Bernardo do Campo já havia sido sancionada pelo prefeito Marcelo Lima (Podemos), que argumentou que a mudança iria muito além do nome, tendo como principal objetivo “garantir mais segurança jurídica para as operações policiais e, consequentemente, gerando mais segurança para a população da nossa cidade”.
Proposta trâmita no Congresso
Há uma proposta em tramitação na Câmara dos Deputados que passaria a permitir essa modificação, alterando o Estatuto Geral das Guardas Municipais. Atualmente, a lei determina que esse corpo específico seja denominado como guarda municipal, guarda civil, guarda civil municipal, guarda metropolitana e guarda civil metropolitana. A proposta também permite que o guarda civil municipal mantenha a posse da arma de fogo após sua aposentadoria, mediante cautela renovável anualmente.
O projeto em tramitação na Câmara é o PL 1316/2021, do ex-deputado Nereu Crispim (PSD-RS), que assegura que as guardas municipais também possam ser chamadas de polícias municipais. Foi apensado a esse o projeto de lei 1175/2023, do deputado Sargento Portugal (Podemos-RJ). O substitutivo relatado pelo deputado Delegado da Cunha (PP-SP) aguarda inclusão na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC).
Durante apresentação do relatório, Da Cunha afirmou que “não resta nenhuma dúvida sobre a atuação das guardas municipais no campo da segurança pública, de modo que deve ser facultado ao poder local a opção de denomina-las polícias municipais”.
O autor Nereu Crispim, presente no local, defendeu que os guardas municipais “já são detentores do poder de polícia administrativa e, dessa forma, nada mais justo do que chamá-los de policiais municipais.
Atuação ostensiva e preventiva
Em Manaus, o projeto de Mitoso também permite que a guarda civil municipal atue como polícia ostensiva e preventiva, atribuições que atualmente são das polícias civil e militar. Essa questão, no entanto, já está pacificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em fevereiro, a Corte decidiu que os municípios têm competência para instituir que suas guardas atuem em ações de segurança urbana.
Na prática, a decisão permite que as GCMs possam atuar de forma semelhante à Polícia Militar, realizando ações ostensivas, patrulhamento e revistas em suspeitos. O relator do caso foi o ministro Luiz Fux, que foi acompanhado por mais oito ministros. O ministro Alexandre de Moraes defendeu que os guardas municipais não se restringissem à proteção do patrimônio público e que trabalhassem em cooperação de outros órgãos.
O ministro Flávio Dino seguiu a mesma linha e defendeu a ampliação do papel dos GCMs. Foi vencido o voto divergente do ministro Cristiano Zanin, que foi acompanhado somente por Edson Fachin. Firmou-se, assim, uma tese de repercussão geral dando constitucionalidade ao exercício dos municípios em ações de segurança pública, inclusive o policiamento ostensivo comunitário, desde que sejam respeitadas as normas do artigo 144 da Constituição.
Projeto cita decisão do Supremo
Na justificativa do projeto, Mitoso cita a forma como o Supremo entende o funcionamento das guardas civis municipais, destacando uma decisão do ministro Alexandre de Moraes “de que todos os integrantes das Guardas Municipais do país têm direito ao porte de armas, independentemente da população do município”. Antes, havia o entendimento de que isso se aplicaria a guardas de cidades mais 50 mil habitantes, conforme o Estatuto do Desarmamento.
A mudança baseou outra emenda à Loman, também de autoria do vereador, que passou a prevê o armamento da Guarda Municipal “e a devida qualificação para uso de arma de fogo e armas não letais”. Outro dispositivo foi a lei 13.675 de 2018, que implantou a Política Nacional de Segurança Pública e inseriu as guardas municipais como agência operacional, “inclusive ressaltando a natureza da atividade policial de seus integrantes”.
O vereador cita ainda a decisão de repercussão geral relatada por Luiz Fux. Sendo assim, Mitoso argumenta que “não há impedimento legal para que as guardas municipais atuem em ações de segurança urbana, desde que respeitados os limites, de forma a que não se sobreponham, mas cooperem com as atribuições das polícias Civil e Militar, cujas funções são reguladas pela Constituição e por normas estaduais”.
Secretário municipal de Segurança Pública
“A mudança da nomenclatura da Guarda Municipal para Polícia Municipal requer uma alteração constitucional no Artigo 144 da Constituição Federal. Tanto a Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social (Semseg) quanto a Procuradoria-Geral do Município (PGM) entendem que essa modificação só pode ocorrer mediante uma alteração formal na Constituição. Dessa forma, seguimos acompanhando as orientações do Supremo Tribunal Federal (STF), órgão responsável pela interpretação constitucional, e aguardamos possíveis mudanças legislativas que possam incluir a Guarda Municipal no rol das polícias. Respeitamos as discussões em torno do tema, mas, do ponto de vista jurídico, acreditamos que essa transição só será possível com a devida alteração constitucional”.
*Fonte: Acrítica