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Política

PL proíbe o ‘aborto legal’ de mulheres estupradas

Proposta, cópia de outra em andamento na Câmara de Deputados, foi apresentada pela deputada estadual Débora Menezes na terça-feira.

Foto: Hudson Fonseca/ALE-AM

Apresentado pela deputada estadual de extrema direita, Débora Menezes (PL), projeto de lei na prática proíbe mulheres vítimas de estupro de realizarem o aborto permitido pela legislação brasileira. A matéria,  uma cópia da proposta do “Estatuto do Nascituro” que tramita na  Câmara dos Deputados, trata da “proteção integral do nascituro”.

Registrado no sistema da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM) na terça-feira o projeto prevê, em seu artigo 12, que  “é vedado ao poder público estadual e aos particulares aplicar qualquer pena ou causar qualquer dano ao nascituro a pretexto de ato delituoso cometido por algum de seus genitores”.

No artigo seguinte,  diz que “o nascituro concebido em razão de ato de violência sexual goza dos mesmos direitos de que gozam todos os nascituros, tendo direito à prioridade na assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico permanente da gestante”.

A seguir define que se o genitor de casos de estupro não for identificado ou que não tenha como pagar pensão, o Estado poderá criar programa de composição de renda para as genitoras, visando garantir a maior proteção do nascituro.

Legislação

No Brasil, segundo a legislação e a jurisprudência o interrupção da gravidez, de forma legal, pode ocorrer em três casos: quando decorrente de estupro, em fetos anencéfalos ou em caso de risco à vida da gestante.

Outro ponto previsto no  PL assinado por Débora Menezes é que o diagnóstico de pré-natal jamais poderá ser feito a fim de abortar o feto, mesmo que com problemas de saúde. “É vedado o emprego de métodos de diagnóstico pré-natal que façam a mãe ou o nascituro correr riscos desproporcionais. Jamais tal diagnóstico será feito com o fim de eventualmente abortar o nascituro”.

Na justificativa do projeto, a deputada afirmou que assegurar a vida de um feto é “um valor inegociável”.  “O aborto constitui uma grave violação da Lei Natural, cujos primeiros princípios fundamentam o código moral de todos os povos e culturas, sendo o direito à vida universalmente reconhecida como o mais importante, não estando submetido às variações de usos e costumes: trata-se de um princípio constitutivo da própria consciência moral do ser humano, um valor inegociável”.

Além disso, a parlamentar disse que não há qualquer justificativa que garanta a licitude moral do ato violento de fazer cessar a vida de uma criança em gestação no ventre materno.

Reação

A historiadora e ativista do Movimento das Mulheres Negras da Floresta – Dandara, Francy Junior, disse que a medida é “um absurdo”.

“Esse projeto afronta direitos já assegurados e pode ser considerado inconstitucional. Ele não só desrespeita a legislação vigente como também ameaça os direitos fundamentais das mulheres”, disse.

Francy Junior  ressaltou que a proposta é cruel para meninas e mulheres que já vivem em desigualdade social. Ela afirmou que aprovar projetos assim reforça um ciclo de exploração e abandono estatal.

“O projeto não protege o nascituro, ele pune meninas violentadas, obrigando-as a carregar o peso de uma violência que não deveriam ter sofrido. É nítido que o projeto não afeta todas as mulheres igualmente. Ele impacta de forma mais cruel meninas negras e pobres, perpetuando um sistema onde a violência sexual contra corpos racializados é ignorada pelo Estado”.

A historiadora criticou, ainda, a falta de compromisso da parlamentar em lutar pelos direitos das mulheres. “Projetos assim, vindo desta senhora mostra a falta de compromisso com a vida e os direitos das mulheres e o pior, isso faz parte de uma estratégia para restringir direitos reprodutivos e reforçar visões conservadoras, que buscam nos matar”.

Professora e ativista rebate

Ivânia Vieira, Professora da Ufam e ativista rebate o projeto. “O teor do  projeto ataca  a dignidade da mulher e se coloca em favor da cultura de violência muito forte no Estado do Amazonas. É deplorável sob todos os aspectos ver parlamentares atuando para assegurar dispositivos legais acionados como meios de violar mulheres violadas. É um retrocesso de consequências danosas e que deve ser avaliado por outras instâncias e enfrentado pelas organizações feministas e de mulheres  e representantes de instituições que atuam    na defesa dos direitos humanos da mulher. Há um quadro pandêmico de violência contra as mulheres e, no Amazonas, meninas de 10 a 14 anos estão sendo vítimas de estupros, engravidam. Por que a dor dessas meninas não conta? Por que tamanho crime não sensibiliza o parlamento? É um escarnio o que está sendo apresentado como projeto de lei, atende ao machismo em sua face mais perversa que se aproxima a da morte”.

Estuprador não é pai, diz ativista

A militante Luzanira Varela criticou a proposta que proíbe o  aborto legal. Afirmou que  as crianças serão as principais afetadas. “Estuprador não é pai e criança não é mãe. Vejo também a questão da gravidade do corpo da mulher, ela decide se quer ser mãe ou não. A mulher que tem no seu ventre um feto com má formação e decidir ter, vamos apoiá-la, e se decidir abortar também vamos defender. A mulher também tem que ser respeitada quando decidir fazer o aborto quando sofrer violência sexual”, destacou.

Varela ressaltou que a medida afetaria principalmente as mulheres mais pobres e que as vítimas não podem ser tratadas como criminosas por exigir um direito legal.

“Quem sempre é penalizado é a mulher periférica, muitas indo a óbito por não ter condições financeiras de fazer em uma clínica particular, por isso, cobramos do Estado que seja feita nas maternidade.  Também quero saber se a nobre deputada conversou com mulheres que são estupradas, se perguntou de cada uma se elas querem ter essa criança fruto de uma violência tão brutal”, questionou.

Comentário de  Alessandrine Silva, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-AM

‘É danoso para nós’

A presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da OAB Amazonas, Alessandrine Silva, afirmou que o projeto é misógino e fortalece a violência já sofrida por mulheres vítimas de estupro.

“Claro que esse PL violenta meninas e mulheres. Quando a gente pensa que o estado do Amazonas possui um alto número de casos de estupro e, igualmente, um alto número de gravidez de crianças de 10 a 14 anos, é lamentável essa falta de sensibilidade que perpetra violências em relação a essas meninas e essas mulheres”, destacou a advogada.

A advogada também criticou a tentativa de retirar o direito das mulheres de realizarem o aborto em casos de malformações detectadas pelo pré-natal, “é um retrocesso”.

“Não faz sentido que agora, aquelas famílias que possuem amplo acesso aos exames diagnósticos, não possam utilizar de forma efetiva. Efetiva eu falo no sentido de que hoje, as mulheres que têm um feto que não possui cérebro, o ancéfalo, elas podem optar pela realização do aborto e, além disso, quando os fetos oferecem a elas também risco de vida. Então, essa restrição do pré-natal é catastrófica”, afirmou a presidente da CDH.

A advogada questionou a competência da parlamentar em tentar legislar sobre uma questão, que, segundo ela, não cabe ao Legislativo estadual.

“É absolutamente danoso para nós, enquanto sociedade, que a atuação técnica da deputada ainda não tenha compreendido a limitação sobre o que é competência da União, competência dos estados, competência dos municípios. E aí esse projeto, além de ser inconstitucional, em todos os sentidos da palavra, ele é incompetente”, disse.

Alessandrine Silva explicou que por ser inconstitucional, mesmo que o PL seja aprovado na ALE-AM, ele seria alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). E que apesar de ter chances de não ser aprovado, o assunto precisa ser debatido para deixar claro que essas medidas já são “ultrapassadas”.

“É  desgastante para nós que temas já superados voltem sempre à tona, vez ou outra. De qualquer forma, de qualquer modo, sem se considerar que já houve avanço significativo no debate jurídico em relação a isso”.

*Fonte: Acrítica

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