Roteiro: Yorgos Lanthimos e Efthimis Filippou.
Direção: Yorgos Lanthimos
Com Emma Stone, Jesse Plemons e Willem Dafoe.
EUA, 2024
Vamos visitar o estranho e fascinante mundo de Yorgos Lanthimos, com suas esquisitices, suas idiossincrasias e seus personagens estranhos com comportamentos peculiares.
*O texto não contém spoiler. Para análise com spoilers veja o vídeo acima.
Esse é um filme do tipo Antologia, ou seja, conta histórias diferentes que não possuem nenhuma ligação entre si. Vamos analisá-las separadamente.
1ª história – A Morte de R.M.F.
Primeiro ato:
Robert (Jesse Plemons, o protagonista) trabalha para Raymond (Willem Dafoe, antagonista) e é casado com Sarah (Hong Chau). Logo no começo, o casal ganha um inusitado presente. Uma raquete quebrada por John McEnroe, lenda temperamental do tênis. O casal diverge sobre qual o melhor presente já recebido de Raymond e chegam à conclusão de que a raquete é ainda mais valiosa do que um capacete de Ayrton Senna.
É noite, Robert entra em seu carro utilitário, avança contra uma BMW azul escura. Mas logo antes da batida, Robert pisa no freio. Os danos, que poderiam ser bem maiores, se restringem a uma luxação no braço. Robert insiste com o enfermeiro da ambulância para levá-lo a um hospital. No dia seguinte, ele se desculpa com Raymond pelo insucesso da missão.
Incidente incitante:
Raymond aceita as desculpas e dá uma chance para seu funcionário se redimir. Dessa vez ele terá que acertar o mesmo carro com mais velocidade. Robert, receoso de matar o outro motorista, não aceita a missão. Sua vida vira um inferno.
Esse conto é o que melhor segue as regras da narrativa clássica. O primeiro ato apresenta os principais personagens. O incidente incitante transforma a vida do protagonista. No Segundo ato, o protagonista fará o possível para que sua vida volte a ser como antes.
Segundo ato:
Robert revela para Sarah que toda a sua vida fora decidida por Raymond, inclusive a escolha dela como esposa e a decisão de o casal não ter filhos. Seu casamento acaba.
O terceiro ato representa a preparação para a última batalha. E o clímax é o momento crucial em que Robert tentará executar seu objetivo para retomar as rédeas da sua vida.
2ª história – R.M.F. Está Voando
Primeiro ato:
Daniel (Plemons, protagonista) é um policial que já apresenta um comportamento estranho. Sua esposa Liz (Emma Stone, antagonista) está desaparecida e ele recorre a um casal de amigos para reconfortá-lo. Isso inclui assistir a um vídeo caseiro em que ambos os casais fazem sexo trocando os parceiros.
Incidente incitante:
Liz é encontrada e volta para o convívio de Daniel. Porém seus pés parecem maiores, pois não entram mais em seus sapatos. O gato do casal tem uma atitude hostil com Liz. Liz come chocolates e demonstra uma libido acima do normal.
Daniel está convencido de que aquela mulher não é a verdadeira Liz.
Segundo ato:
Daniel provoca Liz até o limite tentando desmascará-la.
Aqui o roteiro subverte a narrativa clássica. Geralmente o protagonista é quem deve lutar, superar obstáculos para atingir seu objetivo. Mas o objetivo de Daniel é provar que aquela mulher que voltou ao seu convívio não é sua verdadeira esposa. Liz, como antagonista, é quem deve superar os obstáculos (colocados por Daniel).
Sua suposta esposa luta o quanto pode para cumprir as exigências do marido. O terceiro ato representa o maior obstáculo no caminho de Liz. O clímax do filme revelará se aquela mulher é ou não é a verdadeira Liz.
3ª história – R.M.F. Come um Sanduíche
Essa é a história mais estranha e que menos obedece aos cânones da narrativa clássica.
Primeiro ato:
Emily (Stone, protagonista) e Andrew (Plemons) levam uma jovem a um necrotério e ela faz uma tentativa frustrada de ressuscitar um morto.
Incidente incitante:
Podemos dizer que o incidente incitante dessa história acontece antes de ela começar. Representado pelo momento em que o casal recebe a tarefa de encontrar uma jovem capaz de ressuscitar pessoas.
Emily e Andrew participam de uma seita comandada por Omi (Dafoe, antagonista). Ele faz sexo com seus seguidores e propõe tarefas inusitadas para os mesmos.
Segundo ato:
Enquanto tenta se reconectar com seu ex-marido e sua filha, Emily segue na missão de encontrar a jovem ressuscitadora de cadáveres.
Um “acidente” faz com que ela seja expulsa da seita. Em uma segunda interpretação, esse momento pode ser considerado o incidente incitante. Mas como o evento acontece já no meio da história, alguns autores o entenderiam como o “midpoint” ou o “clímax de meio de ato”.
Pois o acontecimento faz com que uma tarefa banal, que faz parte do dia a dia da protagonista, passe a representar seu grande objetivo. A única forma de Emily voltar para a seita é encontrar a jovem com poderes divinos e entregá-la para Omi.
O clímax da história responderá se Emily consegue de fato se redimir com seu antagonista.
As três histórias nos apresentam situações de subserviência de pessoas comuns a outras pessoas (supostamente) mais poderosas. Temos um funcionário que se submente ao seu patrão, uma esposa que se submete ao marido e uma pessoa que abandona sua família para se submeter a um líder religioso.
Lanthimos mais uma vez nos tira de nossa zona de conforto e usa do estranhamento para refletir sobre relações humanas que corroem a sociedade. Não é um filme “fácil”. Apesar de não apelar para fantasia ou ficção científica (a não ser na possibilidade de ressuscitar mortos) exige uma certa suspensão de descrença do espectador. Cabe a nós embarcarmos no universo um tanto peculiar do diretor para desfrutarmos de um belíssimo filme.