Membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade vinculada à Igreja Católica, o padre Manoel do Carmo defendeu, em entrevista, que os candidatos a prefeito de municípios do Amazonas marcados por conflitos no campo levantem, em seus programas de governo, a bandeira da defesa da Amazônia independente de partido. Segundo ele, as principais causas da violência por questões agrárias são a grilagem de terras, mineração e retirada de madeira de maneira ilegal em municípios do sul do Estado como Apuí, Lábrea e Manicoré.
“Se esses prefeitos se comprometerem com uma ação que possa, de certa maneira, conter essa questão que vem avançando na floresta amazônica, nos povos da floresta, principalmente os indígenas e os quilombolas, pode ser que ele se torne eleito. Se você ataca os malefícios provocadores e causadores dessa realidade e propõe estratégias que depois venham a se concretizar, ele pode tirar bom proveito da causa”, avaliou.
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Levantamento produzido pela CPT mostra que o Amazonas registrou, em 2023, 96 conflitos por terra e água, o terceiro maior da região Norte, atrás apenas dos estados de Rondônia (186) e Pará (227). O número de envolvidos no Amazonas é de 75.056, ficando na vice-liderança, perdendo para o Pará com 196.728 envolvidos. Na divisão feita pelo CPT, ocorreram 82 conflitos por terra, quatro ocupações ou retomadas e 10 conflitos pela água ao longo do território amazonense.
Padre Manoel do Carmo ressaltou que embora os prefeitos e vereadores tenham poder limitado para lidar com as questões de terras, que em sua maioria estão em poder do Estado e da União, eles devem aderir à bandeira federal de defesa da Amazônia em vez de utilizar o discurso de exploração da natureza.
“Eles devem se integrar a essa campanha de preservação da natureza para combater não só as queimadas, porque a causa principal da queimada é a grilagem. Essa história de dizer que quem queima é são os nativos da floresta é falsa. O pessoal que entrava há dois anos atrás em Lábrea com mil motosserras e derrubava a floresta, queimava, levava as toras nos caminhões e depois plantava o capim para criar gado ou vender a terra que se valorizou. É essa a turma que provoca as queimadas”, disse.
Amazonas
O relatório mostra que a maior parte das ocorrências aconteceu no município de Boca do Acre: 26 registros de conflitos por terras entre os dias 21 de setembro e 31 de dezembro de 2023, todos envolvendo posseiros, seringueiros e extrativistas, exceto por dois: um conflito ocorrido em 21 de setembro no Acampamento Marielle Franco com a Fazenda Palotina, que envolve sem-terras; e outro em 16 de dezembro no Seringal Cametá envolvendo um ribeirinho.
Além disso, houve um conflito conjunto nos municípios de Boca do Acre e Lábrea no Projeto de Assentamento Monte, que abriga 300 famílias, envolvendo os próprios assentados e fazendeiros.
O segundo maior número de conflitos foi de sete no Município de Autazes envolvendo exclusivamente indígenas da etnia Mura. Entre 9 de janeiro e 23 de outubro de 2023, foram registrados conflitos por terras na Aldeia Taquara e nas terras indígenas do Soares/Urucurituba e Murutinga/Tracatá/Aldeia Terra Preta. A Aldeia Taquara também registrou um processo de ocupação em 10 de janeiro de 2023 e um conflito por impedimento ao acesso à água no mesmo dia.
Violência no campo é recorde
Em 2023, o Brasil registrou número recorde de violência no campo desde o início dos levantamentos em 1985. No total, foram 2.203 conflitos, contra 2.050 do ano anterior e 2.130 do ano de 2020, até então o ano com o primeiro lugar em conflitos. O caderno está disponível para aquisição em versão impressa e online pelo site da Comissão Pastoral da Terra.
Destes conflitos, 1.034 ocorreram na Amazônia Legal, o que corresponde a quase metade do total. A região compreende quase 60% do território brasileiro, abrangendo os sete estados da região Norte, além de parte do Maranhão e do Mato Grosso.
Dentre os 5 estados com os maiores números de conflitos no país, 3 estão na área da Amazônia Legal: Pará (226 ocorrências), Maranhão (206) e Rondônia (186). Analisando as regiões do país, a região Norte foi a que mais registrou conflitos no campo em 2023, com 810 ocorrências.
Do total de 1.467 pessoas vítimas de algum tipo de violência individual registrado pela CPT em 2023, 1.108 (ou 75,5%) estavam na Amazônia Legal quando tal violência ocorreu. O Pará lidera com 459 vítimas, seguido de Rondônia (217) e Roraima (149).
As principais vítimas dos conflitos na Amazônia são pequenos proprietários (26,4% dos registros), ao lado de indígenas (24,7%). Seguem-se trabalhadoras e trabalhadores sem-terra (18%), posseiros (14%) e seringueiros (5%).
Mais da metade dos conflitos são causados por fazendeiros (54,4%), seguidos de grileiros (11,3%), garimpeiros (9,7%) e empresários (9%). Em menor proporção, estão os agentes dos governos federal (4,2%), estadual (2,5%) e municipal (2,2%), além das hidrelétricas (2%). No Amazonas, as áreas indígenas têm sido atingidas por mineradoras e garimpeiros em projetos de exploração mineral, principalmente na exploração de gás nos municípios de Silves e Itapiranga, e de potássio em Autazes, com o apoio do governo do Estado.

